Uziel Santana
Tassos Lycurgo
Anna Helena Santana

“As (sub)culturas fundantes e latentes da condição humana pós-moderna: o Relativismo”

 

No Dialogus inicial, apresentamos ao leitor o propósito essencial e leitmotiv desta conversação que estamos a realizar – um Jurista, um Filósofo e uma Teóloga – a respeito de quem nós somos e em que sociedade vivemos. Assim, introdutoriamente, vimos que, neste momento da humanidade – chamado de pós-modernidade – o ser humano arvorou para si o direito de se tornar o centro e a medida de todas as coisas, de modo que, o que é e o que não é, só assim o são, porque eu, ser humano, digo que o é ou não o é. Eis o máximo da soberba humana, por certo, derivado da modernidade da humanidade. Em síntese: o bem, o belo e a verdade da vida (espiritual e material) deixaram de ter uma existência objetiva em si mesmos, independentemente da percepção, da intuição e do julgamento humanos, e se tornaram conceitos subjetivos que dependem, para a sua formatação, da observação e juízo de valor de cada indivíduo.

Neste segundo momento do Dialogus, vamos avançar, conceitualmente, na temática a que nos propomos analisar, conversando, desta feita, com os nossos interlocutores a respeito de uma das (sub)culturas fundantes que, por certo, melhor explica o nosso modo de pensar e de se comportar: a (sub)cultura do relativismo.

Caro Tassos Lycurgo, então, a partir do que já conversamos no artigo anterior, agora, sob o prisma filosófico e sociológico, o que é a condição pós-moderna do homem?

LYCURGO: Pois bem, Uziel. Como sabemos, o termo “pós-modernismo” é de aplicação vastíssima e de difícil conceituação, mas podemos dizer que, em todas as tentativas de sua definição, há duas concepções que as trespassam: a de que não há um agrupamento de princípios fundamentais, essenciais, que possam explicar como a realidade efetivamente é e a de que isso, por si só, não é argumento para que lastimemos a nossa impotência diante do entendimento das coisas. Nesses termos, sob o prisma estritamente filosófico, a condição pós-moderna do homem é aquela que o reduz a um sujeito que não desfruta da capacidade de entender o mundo que o cerca, senão fragmentadamente e, por consequência, de forma incompleta.
Ao lado do prisma filosófico, a impossibilidade técnica e científica de penetrar na essência das coisas traz uma importante consequência de interesse eminentemente sociológico: se, cientificamente, não sabemos o que é, em essência, verdadeiro (ou seja, que visão verdadeiramente representa o mundo), então, por outros métodos não-científicos, teremos de estabelecer qual das diferentes visões deverá prosperar. Esses métodos, na maioria das vezes, são encontrados nos campos das articulações de grupos sociais, os quais, mesmo que por vezes inconscientemente, digladiam-se para estabelecer no chamado consenso público o que é eticamente, cientificamente, esteticamente e, infelizmente, até mesmo religiosamente, apropriado.

Embora muitos pensem que a condição pós-moderna do homem seja algo negativo, eu penso não há de necessariamente ser assim. Para mim, ela denuncia algo verdadeiro, que é a nossa impossibilidade de tratar as coisas essenciais pela razão. Ela denuncia que tentar compreender o mundo pelo elemento unicamente cognoscitivo é limitado e insuficiente diante do objeto que queremos abarcar. Por consequência, diante das nossas limitações racionais, é preciso dar um salto para além do pensamento. Este salto, conforme eu o entendo, é o salto para a fé, de forma que somente ela é que poderá nos descortinar a verdade real.

UZIEL: Isso que você falou por último, Lycurgo, parece-me que é o cerne da questão: “a nossa impossibilidade de tratar as coisas essenciais pela razão”. Você está certo ao afirmar que, de certo modo, há uma crítica exacerbada à condição pós-moderna do homem como se esta fosse, em si, a responsável por todos os males existenciais nos quais nos encontramos. Em verdade, a raiz de todos esses males existenciais que enfrentamos no atual contexto, está, em primeiro lugar, nas heranças culturais da modernidade da humanidade e, em segundo lugar, no não arrependimento humano, frente a essas, na pós-modernidade. Explicando melhor: a modernidade da humanidade fez com que o ser humano – colocando Deus a latere da história (como se pudesse de fato fazê-lo) – depositasse todas as suas esperanças de uma vida melhor e com máxima qualidade na razão iluminista e no seu produto experencial: a Ciência. Nesta, encontraríamos o que não encontramos nas cosmovisões da antiguidade clássica e no teocentrismo religioso do medievo: a Verdade, o Bem e o Belo, fundantes de todas as coisas. Mas a razão – como as cosmovisões clássicas e a religião medieval – dada a sua impossibilidade intrínseca, como você bem disse, Lycurgo, assim não o fez. Muito pelo contrário. Da Ciência – como conhecimento conseqüente da ação humana, portanto, falho e limitado –, e do seu mau uso, resultaram grandes males para a humanidade, como o foi a fabricação e uso indevido das bombas atômicas na segunda guerra mundial. E isso levou a um descontentamento espiritual e material do ser humano para consigo mesmo e para com esta “modernidade da humanidade”. E, assim, surgiu a condição pós-moderna do homem. E qual o grande e grave problema desta atual condição? Em vez de o homem ter se arrependido do seu audacioso e soberbo projeto iluminista de construção da Verdade e do controle de todas as coisas – via razão humana, via Ciência – e se voltado para Aquele que ele colocou a latere de sua história – Deus, o criador do homem e de todas as coisas – o ser humano preferiu, simplesmente, afirmar que, se a Razão não encontrou, é porque não há a Verdade, não há o Caminho, não há a Vida. Tudo é relativo e depende do prisma do observador. Esse, indubitavelmente, é o grande problema da condição pós-moderna do homem: a reação, nenhum pouco arrependida, à modernidade da humanidade.

Em sendo assim, vamos avançar agora, Lycurgo, na questão deste relativismo material e formal da condição humana pós-moderna. E aí, eu pergunto a você: em termos filosóficos, o que significa esta (sub)cultura do Relativismo que se constitui num dos pilares valorativos da condição humana e social atuais?

LYCURGO: Veja bem, Uziel, o relativismo é aquela visão de acordo com a qual algo pode ser verdadeiro para uma pessoa, mas não para outra; ou seja, é a postura diante da verdade que diz que, a depender de alguns elementos, tudo pode ser verdadeiro, bastando que, para isso, estabeleçamos para quem ou em que termos essa verdade pode dar-se. Para o relativismo, permita-me falar assim, não há verdades “verdadeiras”, mas apenas verdades “relativas”.

A postura relativista pode ser aplicada às mais diversas áreas. Há o relativismo estético, cultural, cognitivo, moral, entre outros tantos. É aqui, no relativismo moral (ou ético), que ocorre o maior problema. Em outras palavras, o grande problema da postura relativista aparece quando a aplicamos aos pilares valorativos (axiológicos) da condição humana e social. Ora, quando uma determinada sociedade estabelece que os seus valores éticos são relativos, ela simplesmente abre mão da ética, já que não terá mais parâmetros próprios para estabelecer o que é eticamente aceitável e o que não é.

Em uma sociedade eticamente relativística, o problema não mais será o de se escolherem as atitudes éticas a serem tomadas, mas sim o de se escolher um entre vários padrões para justificar eticamente uma atitude que alguém tenha tomado. Por esse prisma, repete-se, não mais serão os padrões éticos que justificarão as condutas a serem exercidas, mas sim as condutas que servirão de fundamento para que escolhamos padrões éticos. Neste ponto, teremos – como, infelizmente, temos hoje em dia – uma sociedade aética e, em decorrência disso, será estabelecida uma nova ordem: a da sociedade promíscua. Havemos de lutar contra isso!

UZIEL: Isso que você nos fala, Lycurgo, é muito importante, de extrema gravidade e confere, exatamente, com o que está acontecendo no Senado Federal, por exemplo. Mas não só na vida pública. Na vida privada, o comportamento das pessoas também tem sido assim: adotam e vivem uma ética particular que depende das intenções e motivações de cada um. Precisamos, realmente, lutar contra isso. Que esse seja o nosso engagement, enquanto pessoas conscientes de todos esses males existenciais.

No próximo Dialogus, continuaremos a discorrer sobre o relativismo – agora sob o prisma da Teóloga Anna Helena Santana – em busca de entendermos a relação, no contexto atual, nada honrosa do homem para com Deus. Do mesmo modo, introduziremos o tema de mais duas (sub)culturas fundantes da pós-modernidade: o individualismo e o hedonismo.


Uziel Santana (Jurista – www.uzielsantana.pro.br)
Tassos Lycurgo (Filósofo – www.lycurgo.org)
Anna Helena Santana (Teóloga – [email protected])

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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