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Muitos tratam como crime a atitude de quem luta por causas humanitárias, quando estas exigem mudanças na estrutura e organização da sociedade. A compaixão e o amor são compromissos fundamentais para a construção de uma sociedade mais humanizada, inclusiva e promotora da vida.

Sou leitor e assinante do Jornal Zero Hora há mais de dez anos. Sempre fui um leitor crítico à sua linha editorial, mas nunca imaginei ser “enquadrado” por um de seus colaboradores.

A mídia tradicional é expert em manipulações e tendências para manter o “status quo”, ou o “modus operandi” de uma sociedade dividida em classes sociais.

Veja o que um dos colaboradores do Zero Hora escreveu em coluna com o título: “Em defesa dos ricos”.

 “Você é da elite? Claro que é, ou não estaria lendo este jornal. No mínimo, pertence à elite cultural. Mas não vai reconhecer, não é? Se reconhecer, será em voz baixa, pedirá para eu não contar aos outros”.

Na sequência, o colunista faz sua defesa dos ricos: “pegue uma cidade como Porto Alegre. Há vários lugares aprazíveis em Porto Alegre, há tanta coisa boa a se fazer na cidade. Mas não se faz, porque essa é uma cidade que se empobreceu ao desprezar suas elites”.

Defendendo prioridades na segurança como uma forma de manter as elites convivendo e consumido no país e não fora dele, Coimbra sentencia: “consumindo aqui, e não lá, as mal amadas elites garantirão emprego para os pobres e arrecadação de impostos para que o governo preste serviço aos pobres. Quer dizer: as elites vão trabalhar para os pobres”.

Seguem minhas reações, depois de um período de ruminação. (Ruminar é o ato que o boi faz depois de sua refeição, deitando-se à sombra de uma árvore para degustar e mastigar novamente o alimento ingerido, para uma melhor digestão).

Não sou parte da elite, nem cultural e nem econômica. Não quero fazer parte de elite nenhuma. Quero construir uma sociedade que produza meios e condições para que todos “tenham vida em abundância”, como já está escrito nas sagradas escrituras cristãs. O problema que esta “abundância generalizada” é para uma minoria, um pequeno grupo social, uma pequena elite que sempre dominou os meios políticos, culturais e econômicos para manter seus privilégios, em detrimento da exploração dos demais.

Nós podemos construir uma sociedade sem este abismo colossal que divide os poucos que possuem quase tudo e os muitos que não possuem quase nada. Nosso Brasil, por sua privilegiada riqueza natural, tem condições de produzir alimentos, bens materiais e culturais que permitam a todos uma vida bonita, sem sofrimentos e que contemple os direitos humanos fundamentais.

Em outro artigo já publicado, Pobreza e compaixão, (http://www.neipies.com/pobreza-e-compaixao/) defendemos que a compaixão (tomada como compromisso com a superação da miséria humana) é o sentido maior na defesa dos pobres: “não os defendemos por serem bons ou anjos, mas porque são frutos de uma sociedade desigual, que não sabe e não quer lidar com eles”.

Uma sociedade que gera fome, violência e desigualdades não pode se autodenominar democrática. A democracia pressupõe maior igualdade de condições para a maioria da população. Democracia e miséria são incompatíveis, já ensina Betinho (Herbert de Souza).

Alimentar o discurso de ódio e de separação das pessoas em ricos e pobres não é a saída para a crise econômica, política e cultural na qual se encontra o nosso país. A solidariedade é o maior valor humano, quando for capaz de operar mudanças significativas que promovam a vida e a dignidade.

Como já ensinou Betinho (Herbert de Souza): “O Brasil tem fome de ética e passa fome em consequência da falta de ética na política”.

 Ao invés de ódio e rancor de classes, divulgo e procuro viver compaixão. Poucos vivem a compaixão.  Muitos perderam a sensibilidade, o que os impossibilita de viver a caridade e o amor ao próximo. Outros preferem atribuir aos pobres a culpa pela sua situação de miséria e vulnerabilidade. Outros discursam democracia, não perguntando se esta propicia as mesmas condições e oportunidades a todos, como ponto de partida. Porque o ponto de chegada depende de cada um de nós. Muitos tratam como crime a atitude de quem luta por causas humanitárias, quando estas exigem mudanças na estrutura e organização da sociedade.

Obs: O  autor é professor, escritor e ativista em direitos humanos, desde Passo Fundo, RS.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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