Em tempos de Gripe A e de outros vírus que assolam o mundo, é bom que a ONU promova neste 02 de dezembro o Dia internacional de solidariedade às pessoas atingidas pela Aids. Atualmente, 39, 5 milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV, sendo que 95% delas vivem em países pobres. Na Índia chegam a 5, 7 milhões. Na África se estimam em mais de 25 milhões. Atualmente, destas, a maioria aparece como heterossexual e, 55% das pessoas adultas infectadas são mulheres. Infelizmente, em vários países, ainda existe o tabu de que a mulher deva cumprir o seu “dever conjugal”, mesmo se o marido está infectado pelo vírus e isso quase sempre sem os cuidados requeridos para não ser contagiada.

Estas cifras revelam uma relação íntima entre Aids e pobreza. A Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar que a ONU realizou, há poucos dias, em Roma se encerrou sem nenhum compromisso concreto para eliminar a desigualdade social. Os governos de países ricos se negaram a instituir uma taxa internacional para combater a pobreza injusta. Isso equivale a uma sentença de morte para milhões de pessoas no mundo. Ao se pensar na Aids e em outras enfermidades, esta insensibilidade social se traduz na desumanidade dos laboratórios multinacionais em visar lucro com os remédios essenciais à vida dos empobrecidos. E o filme O Jardineiro Fiel de Fernando Meirelles, continua atual ao denunciar que laboratórios europeus fazem de africanos pobres, especialmente crianças, cobaias para remédios ainda não testados e garantidos para o uso humano.

Além da desumanidade da discriminação econômica, a Aids continua aproveitando o preconceito moral, do qual Igrejas e religiões não são isentas. Há dois anos, o Tribunal Eclesiástico de Módena, na Itália, publicou a sentença dada por Massimo Mingardi, especialista em direito canônico: “Matrimônios contraídos diante do altar podem ser anulados pela Igreja Católica, se, por ocasião do casamento, um dos dois parceiros tiver contraído Aids, ou mesmo for soro-positivo”. A justificativa é que, através do sexo, a pessoa infectada põe em risco a vida do parceiro e isso é imoral. O Vaticano preferiu não emitir ainda um parecer oficial, mas o cardeal Ercílio Tonini lembrou que tal medida não pode ser universalizada, pois seria injusto. Segundo o cardeal, de fato, “também é possível alguém ser infectado pelo HIV sem qualquer culpa, por meio de transfusão de sangue” (Concilium 321 – 2007/ 3, p. 54). A declaração do cardeal deixou subentendido que, com exceção do caso de ter contraído a doença por transfusão de sangue, as pessoas com Aids são culpadas. Esta condenação moral pode pesar e oprimir mais às pessoas infectadas do que os ataques de doenças oportunistas, às quais a Aids abre a porta.

Ao contrário de pastores que anunciam castigos de Deus para se vingar da humanidade pecadora, na África, muitas culturas ancestrais crêem que Deus se manifesta nos fenômenos naturais porque adora brincar com o erotismo humano. E, por isso, consideram a sexualidade como uma bênção da vida. Não compreendem a rigidez com a qual algumas Igrejas costumam julgar as relações corporais. No mundo inteiro, muitos católicos agradeceram ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e a outros pastores, quando, apesar de considerar o preservativo um mal menor, eles aprovavam o uso da camisinha, nos casos de riscos. Apesar de concordar que a segurança não é de 100% e de insistir que o mais importante é ir à raiz das questões e prevenir o problema por relações humanas mais profundas e integradoras, na 16ª Conferência internacional sobre Aids, a doutora católica Melinda Gates, uma das coordenadoras do evento, afirmou: “Na luta contra a Aids, a camisinha salva vidas. Se você se opõe à distribuição de camisinhas, algo para você é mais importante do que salvar vidas” (Cf. Concilium 321 – 2007/ 3).

A defesa da vida e da dignidade das pessoas marginalizadas foi a opção de todos os homens e mulheres, líderes espirituais da humanidade. Os evangelhos apresentam Jesus Cristo, cheio do Espírito de Deus para curar as pessoas doentes e libertar as marginalizadas. Um dia, ele vai à casa de Jairo, um chefe de sinagoga para curar a sua filha que havia adoecido. Mas, de repente aparece uma mulher anônima e, conforme as leis vigentes da religião, impura, porque havia anos, sofria de hemorragia, se aproxima dele e o toca. Ela também tinha se contaminado com sangue e era considerada culpada por ser doente. Jesus a tira do anonimato, a chama e, sem perguntar como ela contraiu a doença, a cura e a reintegra na comunidade (Cf. Lc 8, 40 – 48).

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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