professora do departamento de teologia da PUC-Rio

decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
O estresse da vida urbana e mais ainda daqueles que ocupam altos cargos, como executivos de grandes empresas, é tema bem conhecido dos tempos modernos e pós-modernos. As pessoas se sentem como laranjas chupadas de todo o seu suco vital e jogadas fora como bagaço, após terem sido sugadas até o último estertor de vida.
As consequências são a depressão, mal do século XXI que atinge até crianças, nervosismo, angústia, consultórios psiquiátricos cheios etc. Mas ainda não se havia visto caso de suicídios em série devido ao estresse a que uma empresa submete seus empregados. Parece que isso também passou a ser realidade.
Nas últimas semanas, a France Telecom, empresa estatal francesa, esteve às voltas com o suicídio de vários de seus altos executivos. Para cometer o gesto radical de pôr fim à vida, os funcionários – homens e mulheres -, alegavam não aguentar mais trabalhar onde estavam, ou a perspectiva de serem transferidos para outro departamento. Enfim, justificativas sempre relacionadas diretamente à empresa em questão.
O maior acionista da France Telecom – o Estado francês – preocupou-se e mandou especialistas em Recursos Humanos estudarem em profundidade as condições de trabalho ali enfrentadas. Mesmo que se consiga deter a avalanche de gestos extremos, o problema permanece, tão ou mais grave do que antes. Não é concebível nem crível que funcionários de uma empresa do porte da France Telecom, que a procuraram justamente por ambicionarem ganhar um bom salário, ascender a postos que lhes proporcionassem melhores condições de vida e maior poder aquisitivo, comecem a suicidar-se como mendigos que morrem de fome.
Parece que os altos salários e os “fringe benefits” não estão satisfazendo nem têm sido suficientes para manter o equilíbrio de pessoas que perdem o sentido da vida e decidem que é melhor acabar com ela do que enfrentar certas situações. Há algo errado e podre no reino desta Dinamarca furibunda em que se converteu a vida moderna. A corrida atrás de dinheiro e de status ocupa cada vez mais espaço e toma a frente de todos os demais valores.
As pessoas parecem ter desaprendido como é importante descansar, contemplar. Perderam o rumo e o caminho da gratuidade, o jeito de bem viver. Trabalhar passou a ser uma compulsão e uma doença, e não um tempo criativo para se construir e edificar o futuro para as gerações que virão. Não sobra mais tempo para nada. Não se tem coragem de enfrentar os fracassos. Não se suporta conviver com chefes que humilham e pisoteiam sem dó nem piedade, para garantir os bônus milionários do final do ano.
E então se pula da janela aos 32 anos, como a jovem gerente que deixou um bilhete para o pai: “Te amo, papai. Você não tem culpa nenhuma. Estou me suicidando só porque não suporto a ideia de ter que trabalhar na seção para onde me transferiram.” Banal a concepção do que seja uma carreira profissional, do que seja a vida, para que fomos e somos criados a cada minuto por um Criador que trabalhou e trabalha incessantemente para gerar-nos e manter-nos em vida. Mas que no sétimo dia – o sabado – descansa, contempla o que fez e se rejubila: “É tudo muito bom!”
Pelo visto, para os executivos de hoje nunca será sábado. Nunca será tempo de contemplar, agradecer, fazer nada a não ser acariciar a pessoa amada, os filhos, extasiar-se diante da natureza. Só produzir, correr, fazer… e quando o ritmo se tornar insuportável, esfaquear-se, pular da janela… Enfim, acabar com a vida, dom maior que se tornou fardo pesado e asqueroso.Nunca tivemos tantos meios…e tão poucos fins.
Nunca nossas possibilidades foram tão grandes… e nossos horizontes tão pequenos. Que a tragédia da France Telecom nos sirva de alerta… antes que a janela seja nossa última e fatal paisagem.
Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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