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I – O louvor de Deus é celebrado por suas obras e por quem as conhece

“Os céus narram a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Salmo 19,2).

“Bendizei o Amor Eterno, vós, todas suas obras, em todos os lugares onde ele domina! Minh’alma, bendize Eterno Amor!” (Salmo 103,22).

“Que todas as tuas obras te louvem, ó Amor Eterno, e te bendigam os teus fiéis” (Salmo 145,10).

É como se Ele saísse de frente, dando-nos o exemplo. Ou o primeiro motivo. Os Salmos, uns mais, outros menos explicitamente, são a constante e solene proclamação do louvor de Deus por suas maravilhosas obras, ora na Criação (por exemplo, 19,2-7; 146,1-9; 65,10-14; 104; 148), ora através da História (por exemplo, 105; 106; 111; 113-114; 118; 135; 136,10-16; 145-147;149). Ora são as próprias obras que louvam ou são convidadas a louvar a Deus, ora somos nós, seres humanos, povo eleito, sua obra por excelência, os convidados a louvar a Deus por suas obras maravilhosas.

Em suma, as obras mesmas de Deus, pela sua própria existência maravilhosa, são o louvor de Deus; ou então, são como a partitura pela qual o ser humano é convidado a louvar ao Eterno Amor.

Fundamental e elementar é, por um lado, educar as pessoas para a preservação da Criação, pois descuidar dela ou destruí-la seria sufocar o louvor que dela sobe até os Céus. No fim das contas, esse é o lado mais perverso de uma civilização que, a serviço de Mammon e do consumismo, polui, depreda e devasta a Natureza. Nosso compromisso ecológico tem tudo a ver com o louvor da Criação. Daí, a atualidade urgente da recente encíclica de Papa Francisco, que inicia justamente com o Canto das Criaturas de São Francisco de Assis, a Laudato Sì.

Por outro lado, é igualmente importante educar o ser humano para a leitura e interpretação das partituras desse imenso e variado repertório, ora se encantando com as maravilhas da Criação, ora fazendo a leitura pascal da História. Precisamos ter “olhos de ver”, e nos surpreender, seja com os sinais da ação permanentemente criadora de Deus no universo, seja com os sinais da sua passagem libertadora na trajetória da Humanidade. E assim, ora nos empolgando com as maravilhas da Criação, ora nos empolgando com os feitos desse Deus, que prioriza, defende e liberta o empobrecido e injustiçado, nós seremos motivados a celebrá-lo, “pois eterno é seu amor”, como repete por bem 26 vezes o Salmo 136, nos seus 26 versículos. Nesse sentidos, podemos aproveitar quanto nos sugere o Salmo 8 (um convite a experiência poética de contemplação da Criação) e o Salmo 78,1-8 (um convite à leitura pascal da História).

Em todo caso e no fim das contas, a base do louvor são as obras, as obras de Deus, Criador e Libertador: tudo quanto se esconde por detrás do tetragrama YHWH, que, em vez de, simplesmente, transliterar a gente prefere traduzir por ETERNO AMOR. A Criação e a História justificam sobejamente que este seja o nome próprio do nosso Deus, “pois Deus é amor”, como bem conclui João em sua 1ª. Carta (4,8).

 II- O louvor de Deus celebrado pelas obras do ser humano: a liturgia existencial

“Vem, come com alegria teu pão e bebe com coração feliz o teu vinho, porque tuas obras já agradaram a Deus” (Eclesiastes 9,7).

“Religião pura e sem mancha diante de Deus e Pai é esta: assistir os órfãos em suas dificuldades e guardar-se livre da corrupção do mundo” (Carta de Tiago 1,27).

“Meus irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé, quando não a põe em prática? (… …) a fé que não se traduz em ações, por si só está morta. Pelo contrário, assim é q:ue se deve dizer: ‘Tu tens fé e eu tenho ações! Mostra-me a tua fé sem ações, que eu te mostrarei a minha fé a partir das minhas ações!’ (… …) Assim como o corpo sem o espírito é morto, assim também a fé sem a prática é morta” (Carta a Tiago 2,14.17-18.26)

“Eu vos exorto, irmãos e irmãs, pela misericórdia de Deus, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso verdadeiro culto. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é a vontade de Deus, a saber o que é bom, o que lhe agrada, o que é perfeito” (Carta aos Romanos 12,1-2).

Aproximai-vos do Senhor, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e valiosa aos olhos de Deus. Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo (1ª. Carta de Pedro 2,4-5).

“Mulher, acredita-me: vem a hora em que nem nesta montanha, nem em Jerusalém adorareis o Pai. (… …) vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. Estes são os adoradores que o Pai procura” (João 4,21.23). 

A liturgia do meu pai…

Final de janeiro de 1952. Depois de uma noite mal dormida, por imensa e incontida saudade, antecipada, eu iria voltar, adolescente de 14 anos, para mais um longo ano de seminário, lá na distante Recife. Acompanhado de meu pai, saímos de Quebrangulo, lá no interior das Alagoas, para, às 05 da madrugada, pegar o ônibus em Palmeira dos Índios com destino à capital de Pernambuco, mais precisamente, à Escola Apostólica da Várzea, seminário menor dos Padres do Sagrado Coração de Jesus.

Sentado do lado da janela, meu pai junto de mim, de repente, ouvi um conhecido de meu pai, que viajava em pé, abordá-lo:

— Desculpe eu perguntar, é seu filho?…

— É meu mais velho, respondeu meu pai, com certo orgulho.

— Em breve, vai lhe ajudar a ganhar dinheiro! Exclamou o homem, como quem dissesse algo que daria satisfação a meu pai.

— Esse daí, eu já entreguei ao Coração de Jesus! Foi a pronta e acabada resposta de meu pai.

Uma tal resposta, carregada de convicção e de mistério, deve ter intrigado o conhecido de meu pai e provocado outras perguntas da parte do mesmo e os devidos esclarecimentos do meu pai, mas minhas lembranças só chegam até aí… À distância de 65 anos, a resposta de meu pai, naquela madrugada de janeiro de 1952, ainda hoje ressoa a meus ouvidos como expressão da generosidade de alguém que, com incansáveis esforços e total dedicação, criava seus quatro filhos, mas não priorizava o retorno financeiro que disso pudesse, um dia, advir-lhe. Antes, tinha plena consciência de estar entregando seu primogênito a Deus. No entanto, com a vida cheia de trabalho, que nunca conheceu o que eram férias, sua prática religiosa se limitava à participação na Missa do domingo.

<<Nem todo aquele que me diz: “Senhor! Senhor!”, entrará no Reino dos Céus, mas só aquele que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus>> Mt 7,21.

A Liturgia da minha vizinha…

Na entrada da Rua Lucélia, passada a pontezinha sobre o canal, por onde escorre toda a imundície do Córrego do Euclides, há um correr de quartos, cada qual com porta e janela voltadas para o sol nascente. Não conto as vezes que, indo ou vindo, passei em frente ao quarto onde morava uma velhinha de pixaim encanecido e rostinho encarquilhado, feito maracujá de gaveta, a quem eu dava as horas e ouvia em troca um “bom dia” ou “boa tarde” de uma voz alquebrada e doce.

Outro dia, fui procurado por uma comadre minha para fazer a “encomendação” de Isabel… Era a velhinha da entrada da Rua Lucélia que havia falecido. Nunca gostei de fazer rezas apenas formais, “para cumprir tabela”. Por isso, tive o cuidado de perguntar à minha comadre o que ela sabia sobre Isabel… Aquela velhinha que eu tantas vezes saudara ao longo de anos de passar pela entrada da Rua Lucélia era uma viúva que ali vivia há muitos anos, viera do interior e recebera de um filho falecido, ainda jovem, a “herança” de uma ruma de netos para criar… Criou-os todos botando água de ganho… Mas como se não bastasse, seu barraco era o abrigo de quem não tinha onde ficar, quando vinha do interior para tratar-se no Recife… Isabel socorria, do jeito que podia, toda pessoa que dela precisasse e a ela acorresse em busca de ajuda… “Um pessoa que não era de religião, não era de igreja, mas fez caridade a muita gente”, concluía minha comadre.

Próximo à hora do enterro, cheguei para fazer a encomendação. Mal dava para entrar na salinha apertada, onde, em volta do caixão coberto de flores, estavam as poucas pessoas que cabiam, amigos e familiares, os quatro castiçais, dois de cada lado e, encimando a cabeça da defunta, a imagem do Crucificado. Cantamos o Salmo 23, o salmo do Deus Pastor, li o Evangelho da Oferta da Viúva e, em seguida, senti-me muito à vontade, mesmo sem ser papa, para canonizar Isabel: estávamos ali diante de uma vida que subia para Deus com o aroma suave daquelas flores e o brilho e a fumaça daquelas velas, como agradável oferta para Deus. Ali estava o franzino corpo de uma mulher curtido pela dureza da vida e a totalidade da entrega a serviço de quem dela precisou. Um ser feito de amor, como o Cristo representado por aquela cruz. Em suma, uma santa. Santa Izabel do Córrego do Euclides!

<<Em verdade vos digo: esta viúva pobre deu mais do que todos os outros que depositaram no cofre. Pois todos eles deram do que tinham de sobra, ao passo que ela, da sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha para viver>>  (Marcos 12,43-44).

A Liturgia da minha viagem: o gesto do motorista… o grito da menina.

Eu viajava de João Pessoa a Areia, no interior da Paraíba, para um Curso de Liturgia, com as Irmãs Franciscanas de Dillingen, as mesmas da Casa Maristella, na Av. João de Barros, no Recife. Lá pelos anos 80…

Areia, fica numa região montanhosa. O ônibus em que viajava, de repente, começou a subir a serra, gemendo de curva em curva, num esforço extremo que deveria consumir muito diesel… A certa altura da penosa subida, avistavam-se duas mulheres, aparentemente bem idosas, subindo a pé, a muito custo, pelo lado direito da estrada, uma segurando a outra…

O motorista, ao aproximar-se delas, para o carro e acena com o braço direito, sugerindo que subissem… As mulheres reagem prontamente, acenando com as mãos, para dizer que não, de jeito nenhum!… Não tinham como pagar a passagem, é claro…

E o motorista, que percebera exatamente do que se tratava, insiste, agora gritando e gesticulando para as pobres mulheres:

— Subam! Podem subir. É por minha conta!

Enquanto as velhinhas, com imenso esforço, vão subindo, uma adolescente negra, sentada na poltrona da frente, do lado esquerdo, assistia bem de perto ao que estava acontecendo… De repente, levanta-se, volta-se para trás, como que se dirigindo a todo o pessoal que lotava o ônibus e, espontaneamente, grita, para que todo mundo ouvisse:

— Esse motorista tem o coração pra Deus, agora tem muitos por aí…

Não escutei o resto da frase, mas nem precisava. O essencial já havia sido proclamado: Deus acaba de se manifestar na atitude solidária daquele motorista, e estava sendo motivo de glorificação na boca daquela menina… O amor estava sendo celebrado.

“Assim também brilhe a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai-Mãe que está nos céus (Mateus 5,16).

A liturgia, o sacerdócio cristão, o canto da vida, na compreensão dos antigos Pastores

“O Senhor declara: Meu nome é incessante objeto de blasfêmia entre as nações (cf. Is 52,5), e outra vez: Ai daquele por cuja causa meu nome é blasfemado (cf. Rm 2,24). Qual o motivo de ser blasfemado? Porque não fazemos o que dizemos. Os homens ouvem de nossa boca as palavras de deus e ficam admirados por seu valor e grandeza; depois, vendo que nossas obras em nada correspondem às palavras que dizemos, começam a blasfemar, e a tachá-las de fábulas e de enganos.

Ouvem-nos afirmar que Deus disse: Não é nada de extraordinário se amais aqueles que vos amam; mas grande graça, se amais vossos inimigos e aqueles que vos odeiam (cf. Mt 5,46); ouvindo isto, espantam-se com bondade tão sublime; observando, porém, que não amamos os que nos odeiam e nem mesmo aqueles que nos amam, zombam de nós e o nome é blasfemado.

Por conseguinte, irmãos, cumprindo a vontade de Deus, nosso Pai, faremos parte daquela Igreja espiritual, criada antes do sol e da lua. Se, ao contrário, não fizermos a vontade de Deus, seremos, como diz a Escritura: Minha casa tornou-se covil de ladrões (cf. 7,11; Mt 21,13). Que nossa preferência vá para a Igreja da vida, para sermos salvos” (LH IV, Homilia de um Autor desconhecido do séc. II, p. 451-452).

* * * *

“Vivamos quais templos de Deus, para que se veja que em nós habita o Senhor. Não seja a nossa ação indigna do Espírito, pois se já começamos a ser espirituais e celestes, pensemos e façamos somente coisas celestes e espirituais, conforme disse o próprio Senhor Deus: Àqueles que me glorificam, eu os glorificarei e àqueles que me desprezam, os desprezarei. Também o santo Apóstolo escreveu em uma epístola: Não vos possuís, pois fostes comprados por alto preço. Glorificai e levai a Deus em vosso corpo.

Em seguida dizemos: Santificado seja o vosso nome, não que desejemos ser Deus santificado por nossas orações, mas que peçamos ao Senhor seja seu nome santificado em nós” (São Cipriano, bispo de Cartago e mártir, sec. III, Tratado sobre a Oração do Senhor, n. 11-12, in LH III, 3a. feira da 2a. semana do TC, p. 324).

* * * * *

Em seguida, banhado nas águas do batismo, subiste em direção ao sacerdote. Pensa no que se seguiu. Não foi aquilo que Davi cantou: Como o bálsamo na cabeça que desce pela barba, pela barba de Aarão? É o mesmo bálsamo de que fala Salomão: Bálsamo derramado é o teu nome, por isso as jovens te amaram e te atraíram. Quantas almas renovadas hoje te amam, Senhor Jesus, dizendo; Atrai-nos em teu seguimento, correremos ao odor de tuas vestes, para que respirem o odor da ressurreição.

Entende-se de que modo se faz, pois os olhos do sábio estão em sua cabeça. A unção escorre pela barba, isto é, pela beleza da juventude; pela barba de Aarão para te tornares da raça eleita, sacerdotal, preciosa. Porque todos no Reino de Deus somos também ungidos pela graça espiritual para o sacerdócio. (AMBRÓSIO, bispo de Milão, sec. IV, Tratado sobre os Mistérios, 29-30, in LH III, p. 452-453).

* * * * *

“Ouçamos, porém, a insistência do Apóstolo: Eu vos exorto a vos oferecerdes em sacrifício vivo (Rm 12,1). Pedindo deste modo, o Apóstolo ergueu todos os seres humanos à dignidade sacerdotal: a vos oferecerdes em sacrifício vivo.

 Ó inaudito mistério do sacerdócio cristão, em que o ser humano é para si mesmo vítima e sacerdote! O ser humano não precisa buscar fora de si a vítima que deve oferecer d Deus; traz consigo e em si o que irá sacrificar a Deus. Permanecem intactos tanto a vítima como o sacerdote; a vítima é imolada mas continua viva, e o sacerdote que oferece o sacrifício não pode matar a vítima.

 Admirável sacrifício em que o corpo é oferecido em sem imolação e o sangue sem derramamento! Pela misericórdia de Deus eu vos exorto a vos oferecerdes em sacrifício vivo. Irmãos, este sacrifício é a imagem do sacrifício de Cristo que, para dar vida a o mundo, imolou o seu corpo, permanecendo vivo; na verdade, ele fez do seu corpo um sacrifício vivo, porque tendo morrido, continua vivo. Num sacrifício como este, a morte teve a sua parte, mas a vítima permanece; a vítima vive, enquanto a morte é castigada. Por isso, os mártires nascem com a morte, no fim da vida é que começam a vivê-la, com sua imolação revivem e brilham agora nos céus os que na terra eram tidos como mortos.

 Pela misericórdia de Deus, eu vos exorto, irmãos, a vos oferecerdes em sacrifício vivo, santo. É o que também cantava o Profeta: Tu não quiseste nem vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo (cf. Sl 39(40),7; Hb 10,5).

  Ó homem, sê tu sacrifício e sacerdote de Deus; não percas aquilo que te foi dado pelo poder do Senhor. Reveste-te com a túnica da santidade, cingi-te com o cíngulo da castidade; seja Cristo o véu de proteção da tua cabeça; que a cruz permaneça em tua fronte como defesa. Grava em teu peito o sinal da divina ciência; eleva continuamente a tua oração como perfume de incenso; empunha a espada do Espírito; faze do teu coração um altar. E assim, com toda confiança, oferece teu corpo como vítima a Deus.

  Deus não quer a morte, mas a fé; ele não tem sede do teu sangue, mas do teu sacrifício; não se aplaca com a morte violenta, mas com a vontade generosa” (Pedro CRISÓLOGO, bispo, sec. V, Sermo 108, in LH II, p. 695s.).

* * * * *

Cantai ao Senhor Deus um canto novo, e o seu louvor na assembleia dos fiéis (Sl 149,1).

Somos convidados a cantar um canto novo ao Senhor. O homem novo conhece o canto novo. O canto é uma manifestação de alegria e, se examinarmos bem, é uma expressão de amor. Quem, portanto, aprendeu a amar a vida nova, aprendeu também a cantar o canto novo. É, pois, pelo canto novo que devemos reconhecer o que é a vida nova. Tudo isso pertence ao mesmo Reino: o homem novo, o canto novo, a nova aliança. (… …)

Ó irmãos, ó filhos, ó novos rebentos da Igreja católica, o geração santa e celestial, que renascestes em Cristo para uma vida nova! Ouvi-me, ou melhor, ouvi através do meu convite: Cantai ao Senhor Deus um canto novo. Já estou cantando, respondes, cantas bem, estou escutando. Mas oxalá a tua vida não dê testemunho contra tuas palavras.

Cantai com a voz, cantai com o coração, cantai com os lábios, cantai com a vida: Cantai ao Senhor Deus um canto novo. Que louvores? Seu louvor na assembleia dos fiéis. O louvor de quem canta é o próprio cantor.

Quereis cantar louvores a Deus? Sede vós mesmos o canto que ides cantar. Vós sereis o seu maior louvor, se viverdes santamente”     (Agostinho, Bispo de Hipona, sec. V, sermo 34, in LH II, p.642s.).

“Na verdade, louvamos a Deus agora que nos encontramos reunidos na igreja. Mas logo ao voltarmos para casa, parece que deixamos de louvar a Deus. Não deixes de viver santamente e louvarás sempre a Deus. Deixas de louvá-lo quando te afastas da justiça e do que lhe agrada. Mas, se nunca te desviares do bom caminho, ainda que tua língua se cale, tua vida clamará; e o ouvido de Deus estará perto do teu coração” (Agostinho, Comentários sobre os Salmos, Salmo 148,1-2, in LH II, p. 779s.)

A liturgia do Samaritano – Comentando, hoje, Lucas 10,25-37

Talvez já lhe passou pela cabeça

ser Sacerdote, Sacerdotisa, quem sabe…

Não espere por Ordenação!

A Ordem já foi dada!

Alguém está à sua espera…

Faça-se quanto antes um dom de Deus, sagrado dom, para seus próximos, para seu povo, um dom do Povo para seu Deus!

Não precisa mais de Templo,

nem saia à cata de igrejas…

Deixe Deus habitar em seu coração,

seja você mesmo, você mesma, a Tenda de Reunião,

fincada no meio do povo,

um ponto-de-encontro para os que estão dispersos ou na solidão,

e deixe a Boa Nova fluir de dentro do seu peito

como água viva a jorrar de fonte perene

para os que têm fome e sede de justiça!

Não vá atrás de Sacrifícios,

e desconfie de qualquer ritual ou oferenda!

Entregue já a sua vida a serviço da Vida,

a serviço dos últimos, dos “sem”, dos excluídos, da Mãe Natureza em extinção!

Ouse mais: seja um Pontífice!

Não espere por eleição, consagração ou coisa que o valha…

Você já foi eleito e consagrado!

Comece logo a fazer ponte entre o céu e a terra, entre Deus e a Humanidade, entre irmãos e irmãs!

Seja você mesmo, você mesma, esse traço-de-união,

essa presença solidária que tanto faz falta,

especialmente aos que estão caídos, semimortos,

à beira das estradas do mundo!

E a sua adoração em espírito e em verdade

consistirá em descer de alguma pretensa altura,

debruçar-se sobre toda dor e humilhação,

curar todas as chagas com o azeite da humana ternura,

com o vinho da alegre esperança,

fazendo a vida emergir dos porões,

desabrochar ao sol e expandir-se pelos vales e colinas,

para a glória do Criador e Pai!

São estes os adoradores e adoradoras que o Pai procura!

Pelo menos, assim, entendeu e fez o Divino Samaritano, Jesus!

Essa foi a sua maneira de ser, ao mesmo tempo,

Templo, Sacerdote e Sacrifício!

E no-lo mandou repetir em sua memória:

“Vá você e faça o mesmo!” (Lc 19,25-37).

E a gente ora a Deus com toda a Igreja:

Demos graças a nosso Salvador, que fez de nós um povo de reis e sacerdotes para oferecermos sacrifícios agradáveis a Deus. Por isso o invocamos:

  1. Conservai-nos, Senhor em vosso santo serviço!

Cristo, sacerdote eterno, que nos tornastes participantes do vosso sacerdócio santo, ensinai-nos a oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus.

(…)

Fazei que vos amemos acima de todas as coisas e pratiquemos o bem, para que nossas obras vos glorifiquem.          (LH III, preces, 2a. feira da 2a. semana do TC, p. 782-783)

Rei todo-poderoso, que pelo batismo nos conferistes um sacerdócio régio, fazei de nossa vida um contínuo sacrifício de louvor. (LH, Laudes da 3ª feira da 1ª semana, preces)

No começo deste dia, infundi em nossos corações o desejo de vos servir, para que sempre vos glorifiquemos em todos os nossos pensamentos e ações.   (LH IV, Laudes, preces, 3a. semana, p. 935)

Mas, aí, a gente precisa se perguntar:

– A pedagogia da Rede CELEBRA prioriza, efetivamente, uma compreensão e vivência de “liturgia” como culto existencial?…

– A pedagogia da Rede CELEBRA oportuniza, efetivamente, a conscientização do “sacerdócio” cristão, como participação no Sacerdócio de Cristo, mediante a oferta cotidiana da própria vida, no serviço dos irmãos e irmãs, na luta pela preservação do Planeta, na luta de classe pela redenção da Classe Trabalhadora, no dar a vida para que todos e todas tenham vida em plenitude?…

– Estamos investindo prioritariamente nesse esforço evangelizador e libertador, ou nos contentamos em supor que tudo isso já acontece, e nos ocupamos quase tão somente com o desempenho ritual, a performance das animadoras e animadores de celebrações?…

– Quando todas e todos vamos entender que a formação litúrgica começa pela Revisão de Vida?… Pelo VER-JULGAR-E-AGIR sobre nosso cotidiano e sobre as conjunturas do nosso país e do mundo?…

Se nos fizermos discípulas e discípulos de Jesus, na escola de Lucas (cf. Lc 24,13-35), aos pouco entenderemos que o VER-JULGAR-E-AGIR é uma surpreendente leitura pascal da vida, mais, muito mais que um método de reflexão, uma espiritualidade: um jeito de viver, de olho na realidade, analisada criticamente, identificando desafios (VER), porque aí estão os “sinais”  que importa decifrar à luz dos nossos valores, sobretudo, à luz da nossa fé cristã, alimentada  pelas Sagradas Escrituras, acolhendo os  desafios/sinais como apelos do Deus que passa e chama (JULGAR), e, finalmente, procurando respostas efetivas para estes desafios/apelos, engajando-se e comprometendo-se responsável e generosamente a serviço do Reino, para que a “vontade” do Pai “seja feita… assim na terra como no céu”.

Recife – Fortaleza, julho de 2017

Obs: Reginaldo Veloso de Araújo é Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, no Morro da Conceição e Adjacências, Recife-PE. 
Compositor litúrgico, com diversos CDs gravados pela COMEP/Paulinas e pela PAULUS
Assistente adjunto do Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC-NE2
Assessor pedagógico do Movimento de Adolescente e crianças – MAC e do PROAC
Membro da Equipe de Reflexão sobre Música Litúrgica do Setor de Liturgia da CNBB
Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana – PUG (Roma, 1962)
Mestrado em História da Igreja, pela PUG (Roma, 1965).    
Membro fundador da Rede CELEBRA

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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