Podemos comparar a festa do Natal com um destes lindos pacotes de presente que, ao se abrir, se descobre, internamente, outro pacote colorido que, ao ser aberto, dá lugar, por sua vez a outro pacote menor e, assim, sucessivamente, até chegar a um pequeno objeto misterioso que só alcançamos depois de desembrulhar cinco ou seis invólucros diferentes. O Natal é assim: temos de superar vários envelopes externos da festa para chegar ao mais profundo sentido da celebração. O consumismo, com seu apelo de compras e sua agitação, assim como o sentimentalismo, com seus cânticos infantis e comoventes, são aspectos externos do Natal que, facilmente, as pessoas criticam. É ótimo que o Natal seja ocasião para os encontros de família e confraternizações de amigos, mas temos o direito de desejar que mesmo esta dimensão humana possa ser mais profunda do que um simples momento de encontro. Desde o tempo antigo, quando o Natal começou a ser celebrado, as pessoas se confraternizavam e celebravam a presença divina na natureza.
Séculos antes do cristianismo, muitos povos viam esta dimensão sagrada no solstício do inverno. Na noite do 25 de dezembro, festejavam o renascimento do sol, em meio ao frio mais rigoroso. Cada ano, nestes dias, o Judaísmo festeja a Chanukká, a celebração da luz no meio da escuridão do inverno, onde sol quase desaparece totalmente. E a celebração das luzes nas sinagogas e nas casas não é apenas para acender luzes e candeias exteriores, mas tem como objetivo adorar a Deus como luz amorosa de nossas vidas e lhe pedir a graça de nos tornarmos luzes uns para os outros e para o mundo.
No século IV, o cristianismo assumiu os festejos ao sol e os transformou na memória do nascimento do Cristo. Não pretende fazer do 25 de dezembro o aniversário do menino Jesus, mas dizer ao mundo que, através do homem Jesus de Nazaré, Deus iluminou a humanidade com o esplendor de sua presença de amor. Sabemos que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro, mas cantamos, nesta festa, que o divino se fez humano para divinizá-lo. Leonardo Boff escreveu: “Humano assim, só sendo Deus!”.
No dia do Natal, muitas Igrejas cristãs lêem o primeiro capítulo (prólogo) do evangelho de João, cujo centro é a afirmação: “A Palavra divina se fez carne e armou sua tenda no meio de nós” (Jo1, 14). Por isso, um espiritual do século IV dizia: “Para encontrar a Deus, é preciso encontrar o ser humano”. Hoje, com muitas outras religiões podemos dizer: “Para encontrar a Deus, é preciso descobri-lo atuante no universo, presente em todo ser vivo”.
Neste mundo cada vez mais pluralista e diversificado, os cristãos convivem com pessoas de outras tradições espirituais e com muitos que amam a vida e têm uma atitude reverencial para com todo ser vivo, embora não pertençam a nenhuma religião. Pouco a pouco, essas pessoas se tornam maioria. Muitas delas também recebem votos de um feliz Natal. Não para que se tornem cristãos/ãs ou participem da celebração cristã desta festa, mas para que, em seus caminhos próprios e em suas tradições específicas, possam fazer a experiência da divinização progressiva a que cada Natal nos chama. Os homens e mulheres que iniciaram as grandes tradições espirituais da humanidade desenvolveram o que alguns chamam de “consciência crística”, (crística quer dizer consagrada). Trata-se de um estado de união com o universo e com as outras pessoas que só o Espírito Divino pode realizar no coração da pessoa.
O Natal pode ser excelente contribuição do Cristianismo para toda a humanidade, se esta festa puder ser ocasião para se celebrar o diálogo e a amizade humana. No nível das relações pessoais, podemos aprender a reverenciar em cada pessoa uma imagem viva de Deus, para ajudá-la a superar os aspectos menos nobres de si mesma e se tornar mais de acordo com a imagem divina presente no próprio coração. No plano mais amplo das comunidades e grupos religiosos, o diálogo e a busca de comunhão podem ser instrumentos excelentes de serviço na construção de um mundo mais justo e irmanado, assim como na possibilidade de que cada tradição espiritual veja na outra os traços mais nítidos de uma presença e atuação divina da qual cada caminho religioso pode ser testemunha diferenciada. Assim, toda humanidade se transformará o que a tradição judaica chama de Shekiná, a tenda em que Deus vem habitar. Um rabino ensinava: “Por onde a comunidade caminha, a presença divina está sobre a Shekiná. Ela só se afasta se a comunidade se dividir e não quiser mais dialogar”. Que este Natal seja esta festa do diálogo.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.