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1 – A páscoa do servidor da Nação do Divino

Em memória do Pe. Geraldo Leite Bastos

Os antigos procuravam informar-se com cuidado sobre os detalhes da morte de pessoas famosas, alvo da admiração popular. Para eles, a maneira como alguém viveu seus últimos momentos selava toda uma existência, era como o teste final, a prova de fogo, capaz de tirar qualquer dúvida sobre o real valor e significado da sua vida.

Essa sabedoria dos antigos tem muito a ver, porque, a final de contas se morre como se viveu. A morte não é mais do que um desfecho lógico daquilo que foi a essência da vida de alguém, das suas opções fundamentais, dos traços característicos da sua personalidade.

Por isso resolvi contar para vocês como foi a morte do Pe. Geraldo, primeiro pároco da Ponte dos Carvalhos, primeiro administrador paroquial da Paróquia do Morro da Conceição, pároco da Escada.

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Semana Santa de 1987! Para o “Servidor da Nação do Divino”, Deus reservou o que havia de mais precioso, de mais belo e significativo, como coroamento da sua existência.

A final de contas, ao longo de 25 anos de exercício do ministério presbiteral, a Semana Santa foi para Geraldo a menina dos olhos. No brilho de sua celebração investira com generosidade e esmero todos os dons com os quais o Espírito largamente dotara. Pelo que Deus não podia conceder-lhe melhor oportunidade de “passar deste mundo para o Pai”. E assim, cumprida a missão que Jesus lhe confiara, preenchida a medida do seu testemunho, a “hora” do Servidor coincidiu igualmente com a “hora” do Mestre.

Quinta Feira Santa, Pe. Severino Santiago vai até o Hospital Português celebrar com Geraldo a Última Ceia do Senhor.

“Tantas vidas eu tivesse, tantas eu seria padre!” Assim respondeu a uma pergunta feita por Severino sobre como se sentia enquanto padre, neste dia. Foi sua maneira de renovar as promessas que os presbíteros costumam fazer diante do Bispo e do Povo de Deus, na Quinta Feira Maior.

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Sexta Feira da Paixão, Geraldo sofre uma forte crise de falta de ar… Profundamente emocionados, ele e os que com ele se encontravam, cantam juntos o canto do Bom Ladrão, que ele havia composto para a famosa Via Sacra da Ponte: “Na glória da tua Casa”. Do seu pulmão quase todo devorado pelo câncer, Geraldo arranca aquele grito de esperança:

“Hoje mesmo estarás

Comigo no paraíso!

Lá na glória de meu Pai,

Serás sempre meu amigo!”

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Mas era preciso cumprir toda a justiça. Geraldo passa o Sábado Santo cercado de amigos. Dona Bela, sua mãe, chorosa e firme como Maria junto à cruz, não arreda.

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Finalmente, Domingo de Páscoa! Às 16 horas no Morro da Conceição, iniciava a confraternização de páscoa das comunidades. Mal terminava o canto de abertura, Salmo 139: “Ressuscitei Senhor, contigo estou, Senhor, teu grande amor, Senhor, de mim se recordou; tua mão se levantou, me libertou”… Chegava-me um recado imperioso de Geraldo: “Venha,imediatamente!” Comuniquei-o à assembléia, a qual não somente compreendeu, emocionada, que eu deveria partir “imediatamente”, como me enviava qual representante seu, junto ao leito de agonia, daquele que fora seu primeiro Pastor.

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Como ninguém, Geraldo soubera captar as finezas da alma do povo… interpretar a nobreza dos seus sentimentos e de sua fé, tantas vezes ingênua, mas sempre muito concreta e fiel… fazer a síntese dos seus valores culturais, um acervo inesgotável de beleza e encanto… traduzindo tudo isso em cores e ritmos, em melodias e dança, em versos e teatro, em escultura e alfaias, em vitrais, pintura e arquitetura, certamente, com a colaboração de muita gente, que acreditou na intuição penetrante deste gênio e formou, como que, uma escola, uma oficina de produção de beleza, a serviço da glória de Deus e da alegria do povo.

Pois bem, justamente à celebração da Semana Santa, Geraldo dedicara o melhor de sua capacidade criativa do seu gênio artístico, colocando-se prazerosamente como intérprete autorizado da religiosidade de um povo pobre de dinheiro, privado dos bens deste mundo, mas profundamente prendado das riquezas e dons que o Pai reservou para os pequeninos, seus preferidos.

Merecidamente, a Divina Providência presenteia-lhe um Domingo de Páscoa para que ele, faça, como e com seu Mestre, a passagem definitiva, deste mundo para o céu, com certeza, na força do Divino Espírito, inspirador de sua vida e de sua arte.

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Chegando ao quarto, encontrei-o rodeado de familiares e amigos. Já ofegante, mas ainda cheio do seu costumeiro humor, perguntou por que um amigo o estava fotografando.

É porque você está bonito, explicou o amigo brincando, com a certeza de que eram as últimas fotos que dele fazia.

Tou uma beleza, respondeu ele, com um leve sorriso de gozação.
Aos poucos, sua respiração vai se tornando cada vez mais difícil e logo se faz necessária a máscara de oxigênio. A certa altura da noite, que já caíra, ele brada com voz forte e insistente:

Irmão! Irmão! Irmão!

Mas já não conversava, nem dava explicações. E nós ficávamos tentando decifrar o significado de cada palavra, de cada gesto seu… Será que estava pedindo que colaborássemos para o fim da sua prolongada agonia, retirando-lhe o oxigênio?… Mas quem o ousaria?…

Mais adiante, surpreende-nos com um brado ainda mais forte e misterioso:

Abra a porta! Abra a porta! Abra a porta! Foram suas últimas palavras.

A porta do quarto estava, praticamente, o tempo todo aberta. Amigos e familiares se revezavam continuamente, entrando ou saindo… Por que este pedido tão insistente?… Abrir a porta para quê?… Para quem?…

O fato é que, pouco tempo depois, enquanto nós cantávamos o Salmo 31, um dos muitos cantados por ele e sua gente da Ponte, do Morro ou da Escada, especialmente na semana Santa, de repente, Geraldo ergueu um pouco a cabeça, como que num último estrênuo esforço, e seus olhos brilharam com o brilho de quem se deparava com refulgente claridade, vinda não se sabe de onde. Arreou a cabeça e deu seu último suspiro. Eram 11 horas da noite, daquele Domingo de Páscoa, 19 de abril de 1987. O Servidor da Nação do Divino, fechava seus olhos neste mundo, para abri-los, com certeza, no Reino da eterna claridade, que talvez, de alguma maneira, já se refletia no brilho daquele seu último olhar.

“Vem, bendito do meu Pai, tomar posse do reino que foi preparado para ti desde a criação do mundo!”

Imagino que tenham sido, precisamente estas, as palavras que ouviu neste último instante, o primeiro da eterna vida.

Obs: Escriro a pedido de Frei Joaquim Fonseca. (Recife, 25/08/1999.)

2 –  O AMOR VENCEU A MORTE, ALELUIA!

Esperamos 40 dias para voltar a cantá-lo.

Preparamos durante 40 dias este momento maior da nossa Fé Cristã.

Cantar “Aleluia!” é mais que entoar um louvor qualquer, por qualquer motivo.

Cantar “Aleluia!” é um canto de vitória, é louvar o Deus verdadeiro, Aquele que é!

Cantar “Aleluia!” é se alegrar por Aquele que não ilude nem decepciona.

Cantar “Aleluia!” é felicitar-se por Aquele que está sempre presente, o Eterno Companheiro, Aquele que nunca falta.

Cantar “Aleluia!” é celebrar Aquele que ouve sempre os clamores dos oprimidos e excluídos, que têm fome da sua justiça.

Cantar “Aleluia!” é saltar de alegria, como Maria, por Aquele que está sempre passando para libertar e conduzir para a Terra Prometida.

Assim foi no Egito, no tempo de Moisés, quando o povo hebreu amargava a escravidão.

Assim foi na vida de JESUS de Nazaré, o carpinteiro filho de Maria e de José, que anunciou o Reino de Deus aos empobrecidos, denunciou a hipocrisia religiosa e todo tipo de preconceito e exclusão, foi perseguido e crucificado, e ressuscitou ao terceiro dia para nos trazer a PAZ, a reconciliação, a vida nova e a esperança de um Mundo Novo e da Vida em plenitude!

Cantar “Aleluia!”, em fim, é celebrar a “passagem” de Deus na vida de uma Igreja que, seguindo a Jesus no caminho da Cruz, se compromete com a transformação da Sociedade, colocando-se generosa e corajosamente a serviço do Bem Comum, solidarizando-se com as lutas dos Movimentos Sociais Populares por Políticas Públicas que atendam às necessidades básicas dos que mais precisam… abraçando a causa da preservação dos nossos BIOMAS e das Comunidades neles integradas, para que a VIDA prevaleça sobre os sistemas de morte. ALELUIA!

Abusam do teu nome
Pra planos tão sangrentos.


3 -BEM-AVENTURADOS OS QUE NÃO VIRAM E CRERAM!

Em nosso encontro de hoje, vamos experimentar a presença de Jesus, como Aquele que chega para nos comunicar sua PAZ!…
Ele vem soprar sobre nós o seu Espírito e enviar-nos pelos caminhos do mundo, com a missão de vencer o pecado do
mundo…
E nos sentiremos “felizes”, “bem-aventurados”, porque não vimos Jesus em carne e osso, mas cremos n’Ele e o
seguimos, sendo hoje suas testemunhas, por onde passarmos, aonde quer que cheguemos, não importa o que aconteça nem com quem ou com que situação nos deparemos…
Nosso objetivo maior é fazer o Reino acontecer “assim na terra como no céu”!
A nossa luta será para fazer com que os valores do Reino fermentem e transformem toda a vida da Sociedade.
E na esperança, já cantamos o ALELUIA da vitória!

4 – DOMINGO DE EMAÚS

Lucas 24,13-35

Quanto é importante ter amigos, amigas, gente com quem compartilhar os momentos bons ou ruins da vida! Sim, porque a vida é uma sucessão de acontecimentos que ora nos alegram e realizam, ora nos entristecem e frustram. As alegrias e realizações só encontram seu pleno brilho e sentido quando compartilhadas com outros. E as tristezas e frustrações só dá para suportá-las e superá-las, se encontramos com quem desabafá-las.

Na grande cheia que inundou o Recife, no ano de 1975, o povo que morava na beira do açude da Macaxeira viu seus casebres de taipa se derreterem… Lembro Seu Rubem, do Encontro de Irmãos da Guabiraba, visitando comigo um dos casebres que estava arreando. A família já havia procurado abrigo em algum lugar. Apenas, o dono da casa estava ali, pensativo, montando guarda. Seu Rubem o convidou para uma reunião na igreja matriz, no Buriti: “Meu irmão, a Igreja, hoje, não é mais só o templo onde o povo se reúne para rezar, não. A Igreja é minha presença pra você e sua presença pra mim!”.

Assim, caminhamos nós os cristãos e cristãs, certos de que Alguém mais está por perto… Compartilhando alegrias e tristeza, angústias e esperanças, lemos as Escrituras, a herança luminosa que vem dos nosso pais e mães na fé. Sentimos, então, esquentar o coração, a visão se clarear… E percebemos, assim o Deus que passa, que caminha conosco e nos conduz, aos trancos e barrancos, à Terra Prometida, seu Reino de Justiça e Paz. Mas o momento maior é quando damos graças e repartimos o Pão e o Vinho em sua memória. Sua presença brilha e os sentimos alimentados e fortalecidos, a ponto de sairmos por aí anunciando que o AMOR e a VIDA venceram e vencem sempre todas as forças do egoísmo e da morte. ALELUIA!

E quanto será importante essa experiência de estarmos juntos assim, nesses dias desafiantes que estamos vivendo nesse nosso Brasil.

Obs: Reginaldo Veloso de Araújo é Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, no Morro da Conceição e Adjacências, Recife-PE.
Compositor litúrgico, com diversos CDs gravados pela COMEP/Paulinas e pela PAULUS
Assistente adjunto do Movimento de Trabalhadores Cristãos – MTC
Assessor pedagógico do Movimento de Adolescente e crianças – MAC
Membro da Equipe de Reflexão sobre Música Litúrgica do Setor de Liturgia da CNBB
Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana – PUG (Roma, 1962)
Mestrado em História da Igreja, pela PUG (Roma, 1965).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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