PROFECIAS, CIÊNCIA, ARTES e LETRAS
Escritor ([email protected]
Às sextas-feiras, eu e a Carolina – uma dos seis netos que já me calharam em sorte – usamos ir ao Coimbra Shopping depois de as aulas terminarem. Na secção de livros, Carolina deleita-se a espiolhar as novidades sobre o Ruca, o Noddy, a Anita e demais personagens próprias da sua idade mas, na semana passada, um livro de capa azulada, com uma belíssima fotografia de um iceberg, fisgou-lhe a atenção. Espreitando o título do livro, dei-me com “O Sétimo Selo” de Rodrigues dos Santos e não enterneci de pasmo pela atitude da catraia, dado que aquela bela foto fora por nós dois admirada e analisada no meu computador, onde me apareceu, como a milhões de cibernautas, acompanhada de uma explicação escrita em francês. Mas, enquanto este evento é recente, o título da obra remete-nos para uma chancela histórica que tem despertado, ao correr dos tempos, a curiosidade da ciência e o interesse das artes e das letras.
Ninguém sabe exactamente o que é o universo tido como um todo. Os astrónomos e astrofísicos, que tratam este assunto por tu, dizem «O universo é finito mas não tem limites…» afirmação que só serve para baralhar e deixar o cidadão comum completamente perdido por entre a aridez do deserto do entendimento, tanto mais que a Terra é uma entidade planetária tardia e infinitamente pequena dentro do enigma universal. Em termos de conhecimento directo, o homem só conseguiu dar um salto até à esquina do lado – a Lua – e anda há anos a procurar saber se existiu água no vizinho da frente – Marte – preocupado em desvendar se por lá também houve vida. Por detecção remota, o telescópio Hubble trouxe-nos muitos dados sobre galáxias e nebulosas, algumas a muitos milhões de anos-luz, coisa que, sendo exemplar, materializa de uma forma confrangedora o estado do conhecimento acerca do que se formou a partir do famoso Big Bang. De qualquer modo, é preciso ter em conta que a espécie humana existe na Terra há muito pouco tempo. Se reajustássemos a escala temporal da história do nosso planeta a um ano, ver-se-ia que o homem apareceu a escassos minutos da meia-noite do dia 31 de Dezembro, pelo que exigir-lhe state of art mais avançado seria injusto. E, durante esse longo tempo em que o homo sapiens sapiens aguardou pela sua aparição, o nosso planeta foi-se modificando drasticamente dos pontos de vista litológico, morfológico, climático e biológico. Os continentes derivaram, os oceanos moldaram-se, as serras e os vales apareceram, desapareceram e voltaram a aparecer noutros lugares, os vulcões mostraram as entranhas superficiais da Terra e alguns penhascos montanhosos trouxeram-nos, aos olhos, ex-fundos oceânicos. A vida surgiu, as espécies evoluíram, o clima foi mudando, ora feito de calores ora de glaciações e nada disto se deveu à intervenção humana.
«Deus não joga aos dados» disse Einstein contrariado com a teoria da Mecânica Quântica que destruiu o determinismo, para mais tarde Ian Stewart acrescentar «Deus não só joga aos dados, como os esconde…» factos a que Wladimir Guglinski e Ian Stewart não ficaram alheios, o que os levou a escrever, respectivamente, os livros “Os Dados que Deus Escondeu” e “Deus Joga aos Dados?” aquele clamando pela desactivação do lixo nuclear, a fusão a frio e por novas fontes de energia e este dando-se ao tratamento matemático de “A Teoria do Caos”. Ainda continuo a tentar entender, como é que um bater de asas de borboleta em Tóquio pode causar um furacão no Golfo do México, mesmo tendo em conta que “A Teoria do Caos” tem feito sucesso no âmbito das matemáticas aplicadas, muito em especial em estudos previsionais acerca de eventos da Natureza.
As profecias não têm qualquer espécie de fundamento científico, considerado à luz do estado actual do conhecimento, muito embora tenham sido elaboradas aproximações relativamente a este ou aquele pormenor, que não passaram de experiências sem sucesso. As profecias que são, num sentido lato, uma forma de premonição fatalista nascida no seio de crenças assimiladas por algumas religiões, têm, no entanto, merecido prestimosa atenção no domínio das artes e das letras, especialmente da pintura, gravura, literatura e, mais recentemente, do cinema, que explorou como nenhuma das outras, a ficção espacial e o apocalipse. No que diz respeito a “O Sétimo Selo”, continuo a preferir a obra do saudoso cineasta sueco Ingmar Bergman que, a preto e branco, sem icebergues e pouco dinheiro, tratou de uma forma admirável e criativa o trinómio “guerra, peste e fome” em finais do feudalismo, colocando na praia o cavaleiro Antonius Block num desconcertante jogo de xadrez com a Morte. Para mim “O Sétimo Selo” de Rodrigues dos Santos está para a qualidade como o dispendioso filme de Vincente Minelli “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse” que agradou a muitos espectadores, mas não a críticos de cinema e cineastas, incluindo o próprio Minelli. Contudo, caro leitor, mesmo que não tenha gostado desta versão sobre os quatro primeiros selos apocalípticos e independentemente de acreditar ou não que as profecias do sexto e sétimo selos se venham a cumprir e as respectivas trombetas venham a soar, não perca a oportunidade de ler a abordagem de Rodrigo dos Santos. O mundo está postado perante uma verdade inquestionável. A Terra está vivendo uma fase de transgressão marinha motivada por alterações climáticas, como muitíssimas outras que aconteceram no decurso da Geohistória mas, desta vez, envolvendo também, em termos de responsabilidade, a actividade humana. Por isso, muita água do mar galgará a terra comendo as baixas e subindo os vales.
Dentro de um século, o estudo previsional da costa portuguesa passará perto de Coimbra que, eventualmente, se transformará numa estância balnear não obstante os enormíssimos dispêndios que se irão fazer em termos de obras de contenção marítima. Mas, como diz um amigo meu de Almeirim, terra que também ficará submersa, os livros são como os melões; só se sabe se são ou não bons depois de abertos e degustados e gostos não se discutem.
*INETI – Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial