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Ele é um muçulmano dono de uma mercearia em Paris, o outro é um pobre garoto judeu. Dois universos se encontram e ambos começam a se conhecer melhor. Através deste conhecimento, os preconceitos vão, com o tempo, sendo destruídos. Após ser abandonado pelo pai, Mono, o judeu, é adotado por Ibrahim, o mulçumano. O garoto passa a aprender a essência dos ensinamentos do Alcorão, descobrindo, assim, que a semente de Deus pode estar presente naquele que parecia ser o inimigo. “Uma Amizade sem Fronteiras”, de François Dupeyron, revela que a impossibilidade, muitas vezes, é um muro frágil e aparente, que pode ser destruído pela aproximação, pelo diálogo aberto e franco.

Ser religioso é sair da superficialidade e mergulhar na essência da vida. Este movimento de religar-se a nossa origem, ao que é essencial, nos leva à compreensão de que viver não é um fenômeno banal e, simultaneamente, que a existência é passageira. Enquanto a vida é um dom extraordinário, a existência não passa de uma fase, de uma viagem através da qual podemos nos fazer, nos conhecer e conhecer o universo. A existência é a “escola de vida”, enquanto que o viver é o conteúdo desta existência. Ser religioso é dialeticamente compreender a vida como um dom eterno, mas a existência como efêmera. Desta forma, quem é religioso valoriza cada momento como sagrado, ou seja, único e definitivo, mais ainda, como uma oportunidade de sintonia profunda com Deus. Quem faz verdadeiramente esta experiência adquire automaticamente uma postura rara nos dias atuais: a gratidão.

Fazendo sua viagem por esta existência e tendo consciência da dialética “efemeridade e eternidade”, o religioso se sente grato pelo simples, mas não banal, fato de existir, por todos os fenômenos que pode vivenciar, sejam eles bons ou ruins. Se pensarmos bem, no fundo nada tínhamos a reivindicar da existência. Simplesmente temos o prazer e o desprazer de estarmos nela. Este presente é algo extraordinário. Por isso, o religioso cresce na gratidão e procura fazer dela um verdadeiro estilo de vida. Quem acredita em Deus ou pertence a uma religião e não é grato, na verdade não está sendo religioso. Esta gratidão religiosa se expande, naturalmente, para todas as dimensões da vida. O ser religioso é grato por todas as pessoas e por todos os momentos, sejam eles agradáveis ou desagradáveis. O primeiro nível da gratidão religiosa é ser grato diante das pessoas que nos fazem o bem. Quantas vezes nos esquecemos de sentir gratidão, agradecer ou demonstrar nosso agradecimento às pessoas que nos ajudam, facilitam nossa caminhada ou a tornam mais prazerosa. Muitas vezes, recebemos o bem dos outros como se fosse óbvio e até mesmo obrigatório. O segundo nível da gratidão como estilo de vida é tornar-se grato pelas pessoas que nos poderiam “prejudicar”, mas não o fizeram. Muitas pessoas em nossa vida podem tornar a viagem por esta existência um verdadeiro inferno, mas simplesmente não o fazem. E por fim, o terceiro e último nível da gratidão religiosa é ser grato pelas pessoas que nos prejudicam. Loucura? Não, revolução! Aqui está o nível mais exigente, mas também o mais poderoso da gratidão. Se a gratidão diante das pessoas que nos fazem o bem é importante, ser grato diante das pessoas que nos prejudicam é uma revolução. Retribuir o mal com o mal é a tendência natural para a vingança, mas se compreendemos nossa existência como um presente e, principalmente, como uma escola de vida, o mal não deveria ser o momento do reflexo que nos leva à vingança, mas a chance de reverter a história. Quem nos faz algum mal, nos oferece a oportunidade não somente de aprender o que é o sofrimento, mas também de fazer algo extraordinário: retribuir o mal com o bem.

O segredo da gratidão irrestrita possui como primeiro efeito a eliminação da “queixa endêmica”. Nós temos a tendência de nos queixarmos, de reclamarmos da vida de uma forma ineficaz e prejudicial a nós mesmos. Esta forma de lamentação torna-se um verdadeiro hábito, faz com que tenhamos uma postura negativa diante dos fatos da vida e não nos leva a modificá-los. A queixa endêmica não é revolucionária, mas uma válvula de escape que nos anestesia e contagia outros. Mergulhamos nas queixas e nelas comodamente permanecemos. O hábito da queixa, do lamento, faz com que as coisas permaneçam como estão ou até mesmo piorem, pois o hábito da queixa retira a nossa disposição necessária para sermos ativos. A queixa nos traz a sensação de infelicidade e nos transforma em vítimas. O pior é que muitos seres humanos acabam gostando da situação de vítima e da sensação de infelicidade. As queixas não terminam nunca e até se expandem para outras dimensões da vida que se desenvolvem bem. O oposto acontece com a gratidão. Ela nos transforma em rebeldes criativos. A gratidão traz a abertura necessária para aceitarmos os fatos e as pessoas, para aprendermos com eles e também nos dá a liberdade para agirmos criativamente. A verdadeira gratidão não nos torna passivos, mas nos obriga a fazer alguma coisa em troca, nos leva a um compromisso de modificar a realidade. Se formos verdadeiramente gratos por estarmos vivos e presentes nesta existência, nos comprometemos em fazer desta vida uma experiência mágica e divina.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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