Paulo Rebêlo 1 de maio de 2017

(www.rebelo.org)

Dia desses, paguei vinte reais por um sanduíche de queijo. Não foi em restaurante chique, foi numa barraca de praça, no meio da rua. Não fiquei rico, apenas não aprendi a deixar de ser jeca tatu.

Li na internet sobre a fama do sanduíche e, como qualquer outro gordinho guloso e queijudo, eu não ia dormir em paz enquanto não fosse conhecer.

Fila enorme. Não quis dar viagem perdida e na fila entrei. Uma grande falta de sacanagem. Os caras colocam uma loira de olhos azuis no caixa. Simpática. Sorridente. A gente paga sem ter noção do que está fazendo. É queijo demais.

No caso do sanduíche, nem é queijo caro. É queijo de supermercado. Quer dizer, não sei a diferença entre queijo caro e queijo de supermercado, mas é queijo igualzinho ao que compro na promoção para casa. Então não é queijo caro.

Em minha defesa, devo dizer que sei, sim, a diferença entre queijos. Tem o queijo, o queijo ralado e o requeijão.

Vi um monte de gente voltando para a fila e comprando outro. Ao olhar para o meu pedaço de pão seco com queijo, senti-me violado pela minha própria matutice. A raiva me invadiu.

Não tive raiva da galega do caixa. Tive raiva de mim mesmo. Porque a cada mordida, não conseguia parar de pensar nos cogolhos de tudela.

Era final dos anos 90 ou início dos anos 2000, não lembro ao certo. Me levaram para um restaurante chique em São Paulo, desses que a gente só vê em novela e que deveriam ter um cartório dentro. Sim, porque assim você pagaria a conta e já ganhava um certificado de jumento.

Fiquei com vergonha igual a matuto quando vi todo mundo fazendo o pedido e falando nomes de pratos que nunca ouvi falar na vida. Eu poderia ter dito que estava com dor de barriga, poderia ter dito que já tinha jantado, poderia ter inventado uma emergência e ter sumido dali para o bar mais próximo. Poderia ter feito mil coisas, menos ficado parado com o cardápio aberto enquanto o garçom me olhava por cima, provavelmente esperando que eu pedisse uma porção de ovo de codorna e uma água mineral.

Em minha defesa, devo dizer que considero ovo de codorna uma iguaria digna de luxo e riqueza.

Mas, como todo jeca, sucumbi ao sistema e à vergonha.

Escolhi rapidamente o prato mais barato que encontrei. Obviamente, custava uma fortuna. Vi o nome “picanha” (não tinha bife à parmegiana) e perguntei ao garçom se acompanhava um feijãozinho, talvez um tutu. O garçom responde que a picanha acompanha cogolhos de tudela.

Ele falou cogolhos de tudela sem rir, na maior simplicidade do mundo, como se estivesse falando feijão, arroz e farofa.

Eu esperei uma risada geral na mesa, mas ninguém riu.

Veja bem, meu bem. De onde eu venho, se alguém diz que vai me dar cogolhos de tudela para comer, eu pergunto se a mãe vem junto.

Chegou minha picanha, parecia um bife assado. Um pequeno bife assado.

Comi tudinho e não vi sombra dos cogolhos da tudela da mãe dele.

Achei até bom, devem ter esquecido na cozinha. Só na hora de pagar a conta (e ganhar meu certificado) falei ao garçom que meu bife veio sem os cogolhos.

Majestosamente, o cidadão me explicou que veio, sim, e educadamente disse que eu comi o cogolho inteiro. Sim, porque o cogolho de tudela nada mais é do que a cabeça de um alface. Importado não sei de onde. Pelo preço, deve ter sido importado dos anéis de Saturno. Direto para o seu anel na hora de pagar a conta.

Aquela folha de alface murcha, que veio por baixo do meu bife, era o cogolho. Fiquei sem entender porque eles chamam cogolhos, no plural, se veio apenas um cogolho no meu prato.

Cogolhos de tudela é um nome ridículo. Tive que pesquisar para descobrir que o nome é ‘cogollos’, do espanhol, porque vem de uma cidade na Espanha chamada Tudela. E que tem um sabor amargo e mais forte do que nosso alface comum da feira. É um alface amargo, ruim e murcho, mas é caro pra chuchu.

Daquele dia em diante, eu nunca mais olhei para um alface do mesmo jeito. E achei que tivesse aprendido minha lição. Até pagar vinte reais por um pão com queijo. Porque quem nasce para jeca, morre jeca. E queijudo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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