Vamos entrando na Semana Santa deste ano de 2017. Em meio a cerimônias carregadas de profundo mistério, emerge a figura de Cristo, como o grande personagem de um drama que envolve a todos.
Diante do Cristo, submetido ao processo mais injusto que a humanidade registra, a atitude que nos convém é o silêncio, que nos detém em reflexão, e expressa nosso respeito pela pessoa de Jesus, que paga com sua vida as consequências da maldade humana.
Mas, olhando para Cristo, acabamos enxergando nele toda a humanidade. E´ a realidade humana que é submetida a julgamento no processo em que Cristo foi condenado.
De fato, olhando a trajetória humana da vida de Cristo, percebemos um fio condutor que vai progressivamente envolvendo a todos. Jesus não morreu na cruz por algum cálculo equivocado, por ingenuidade, ou por irresponsabilidade de suas atitudes.
Ele nunca permitiu que sua vida fosse banalizada, por algum acidente aleatório, ou por algum homicídio precipitado.
Fez questão de declarar: “ninguém tira minha vida, eu a dou livremente”. Ele sempre tinha presente a missão a cumprir, recebida do Pai. E só depois de cumprida plenamente é que aceitou cair nas mãos de quem queria matá-lo.
Na verdade, sua vida tinha sentido universal. Consciente disto, ele acabou montando em Jerusalém um tribunal mundial, que condenando a Cristo, acabaria sendo ele mesmo condenado.
Os poderes deste mundo estavam todos lá. Na pessoa de Pilatos que representava César, o imperador romano, estava simbolizado todo o poder político deste mundo. Estava presente Herodes, o chefete local, que se achava no direito de dispor da vida humana a seu bel prazer, e que tinha matado o profeta João Batista.
Estavam presentes Anás e Caifás, os sumos sacerdotes, com o sinédrio e os escribas da lei, representando o poder religioso deste mundo. E o julgamento teve caráter plebiscitário, com o povo sendo instrumentalizado para ratificar a condenação que já tinha sido decidida anteriormente, quando o Cristo impedia que se concretizasse.
Desde o início, Cristo foi aprendendo a defender sua vida, fugindo para o Egito, e posteriormente refugiando-se na desconhecida Nazaré, encravada no alto das montanhas da Galiléia.
Lá mesmo, em Nazaré, foi ameaçado de morte, mas ele “passou por meio deles” e prosseguiu sua pregação profética.
Diversas vezes, em Jerusalém, tentaram pegá-lo, mas ele soube sumir e cair fora do alcance da mesquinhez dos malvados.
Nos seus últimos dias, precisou viver como foragido, refugiando-se no monte das Oliveiras, onde passava as noites, e onde, finalmente, permitiu que o prendessem, mas só depois de ter garantido a celebração da Páscoa, onde ele pôde inserir, para sempre, o testemunho de sua vida, e o cumprimento de sua missão. Ao ser preso pela soldadesca encabeçada por Judas, o traidor, teve a nobreza de ânimo de chamá-lo de amigo. E mais ainda, advogou a liberdade dos seus discípulos: “se é a mim que procurais, deixai estes ir em paz! ”
Por isto, pareceria inconveniente falar de direitos humanos na Semana Santa. Mas na verdade, é no mistério de Cristo que encontramos a verdadeira justificativa de nossa luta cotidiana pelos direitos humanos. Pois ele nos deu o testemunho derradeiro de como nossa vida merece ser respeitada e preservada, com todas as condições de sua existência.
A paixão de Cristo tem tudo a ver com a paixão pelos direitos humanos!
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.