teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da PUC-Rio.


Em 27 de janeiro de 1945 – portanto há 65 anos – foram abertos os portões do campo de concentração nazista da cidade polonesa de Oświecim, conhecida pelo nome alemão Auschwitz, e libertados os poucos sobreviventes.

Auschwitz começou por ser um campo de concentração para prisioneiros políticos, para exatamente um ano depois, em 1941, transformar-se num campo de extermínio principalmente de judeus, mas também de ciganos, prisioneiros de guerra, em especial russos, e homossexuais, através das câmaras de gás então instaladas, que liberavam o temível gás ‘zyklon b’, o qual asfixia em poucos minutos. Os corpos eram posteriormente incinerados em massa para não deixar vestígios. Outra equipe, sob a chefia do médico Josef Mengele, submetia aqueles que não eram executados imediatamente a inumanas experiências em laboratórios assassinos.

Elie Wiesel, famoso escritor e pensador judeu, narra sua experiência de sobrevivente em seu livro “Noite”. Desnutrido, magro, quase morto, foi resgatado e levado a um hospital. Ali passou mais de um mês entre a vida e a morte. Quando pela primeira vez conseguiu levantar-se e ir até o banheiro, olhou-se no espelho. Quem o olhava era um cadáver, irreconhecível. Vendo esse arremedo de si próprio, fantasma que não parecia ter forma humana, Wiesel diz nunca haver experimentado sensação igual.

Na celebração dos 65 anos, em discurso emocionado diante do Bundestag, o parlamento alemão, o presidente de Israel, Shimon Peres, que perdeu quase toda a família no Holocausto, pediu a condenação de todos os envolvidos no extermínio de judeus naquele período. “Os sobreviventes do Holocausto estão morrendo aos poucos, mas ao mesmo tempo, homens e mulheres que participam do pior dos atos – o genocídio – continuam vivendo na Alemanha, Europa e outras partes do mundo”, declarou Peres.

O que horroriza mais quando se fala do holocausto é justamente a configuração de frio planejamento, de estudada estratégia, de lento e progressivo “trabalho” do ser humano para exterminar e levar à morte irremissível seus semelhantes.

Sessenta e cinco anos após a libertação de Auschwitz pelo exército russo, em 27 de janeiro de 1945, data escolhida como ‘Dia do Holocausto’, há ainda quem hoje ouse esquecer, escamotear, negar, ou minimizar o brutal genocídio cometido pelo regime nazista. Por isso, importa fazer memória, denunciar e não deixar de recordar.

O ser humano é a mais bela e querida criatura de Deus. É capaz de compor sinfonias, poesias. É capaz dos gestos oblativos mais heróicos em favor dos outros. Muitos destes gestos foram perpetrados durante a própria Shoa. Basta recordar o pastor Dietrich Bonhoeffer, que em lugar de compor com os membros de sua Igreja que faziam vista gorda para o Fuhrer, entrou em um grupo que denunciava as arbitrariedades do nazismo e acabou preso e enforcado. Ou o frade franciscano Maximiliano Kolbe, que se ofereceu para ir para a câmara de gás no lugar de um chefe de família, pai de nove filhos. Ou a jovem judia holandesa Etty Hillesum, que se apresentou voluntariamente no campo de Westerbok, na Holanda, declarando desejar “ajudar a Deus e ser um bálsamo para as feridas de seu povo”, sendo posteriormente executada na câmara de gás em Auschwitz.

Mas esse mesmo ser humano é capaz de horrores insuspeitados. Enquanto no mundo animal a lei do mais forte prevalece e mata para satisfazer necessidades como a fome, entre os seres humanos acontecem coisas como a tortura, a morte lenta e com requintes de sadismo, ou genocídios planejados nos mínimos detalhes como o holocausto nazista.

O horror do que o homem é capaz deve ser recordado e ensinado, para que as novas gerações saibam que a capacidade e a possibilidade de praticar o mal é intrínseca a todo o Ser Humano. É, na verdade, o preço de sua criação em liberdade. Porque é livre, o ser humano pode escolher, e muitas vezes escolhe o mal. A fé cristã nos diz, no entanto, que a graça de Deus se sobrepõe e é maior e mais poderosa do que o mais hediondo dos crimes e dos pecados.Mas enquanto isso, é importante não esquecer. Recordar para não repetir. Relembrar para purificar a memória e reconciliar mentes e corações.

Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)

Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária ([email protected])

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