Aconteceu numa festa. A pessoa, conversa bem articulada, em busca de uma colocação, no Tribunal de Justiça, de motorista, única coisa que, aliás, sabe fazer. Mostrou-me até a gravação do teste no Detran para dirigir caçambas e veículos maiores. Estava, no momento, desempregado. Expliquei-lhe que conhecia os membros do Tribunal de Justiça, sem com eles usufruir de nenhuma intimidade. Mesmo assim, o cidadão queria meu apoio, relatando a decepção com a última autoridade, para quem serviu, inclusive em tarefas domésticas, esperando segui-lo na mudança de um cargo do segundo para o primeiro escalão, mas qual o quê, terminou sendo devolvido a empregadora, e, à míngua de necessidade, foi despedido.
A conversa, então, era essa e só essa, na certeza de que um telefonema meu resolvia, no que me lembrei de um aposentado, que, tendo filho a trabalhar em Estado distante, me procurou garganteando que, com um telefonema – olhe o telefonema de volta! – eu colocaria o filho dele à disposição do Tribunal Regional Eleitoral, e, assim, ele ficaria no Aracaju. A importância dada é ato de encher o balão da minha inocência e/ou vaidade, para ver se ele sobe. Felizmente, tenho os pés no chão, bem fixos, aliás, sabendo onde pisar quando há terreno alagado a frente.
Aí, então, puxou da algibeira o argumento chave para me convencer da minha força: a minha condição de desembargador. Ri, explicando-lhe aquilo que ele não entenderia, ou seja, a Constituição não usa para a gente, juiz de tribunal regional, o rótulo de desembargador. Somos apenas juízes de tribunal. O título de desembargador veio por analogia com os membros dos tribunais de justiça, e, naquele exato instante, ainda não tinha o respaldo da Constituição, como hoje já tem, do Código de Processo Civil. O meu amigo recuou, indignado: então, eu não era desembargador? Não, em nível de Constituição Federal, não, respondi. A expressão dele ficou completamente alterada, visível a decepção, na certeza de que eu, com o pomposo título de desembargador, tinha a chave para abrir qualquer porta de emprego, e, agora, a verdade cruel de ser apenas um juiz de tribunal, que ele, por certo, não sabia o que era. Pediu licença e saiu. Não mais se aproximou de mim, que, enfim, sossegadamente, pude comer as empadas. ( 07 de fevereiro de 2017)
Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.