Patricia Tenório 6 de novembro de 2011

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Não quero olhar o mundo.

Mas se fecho os olhos e o guardo em mim, vêm as lembranças, atormentam, torno a olhar o mundo como uma forma de escapar.

No escuro dos olhos fechados existe todo um universo de fantasmas que assustam porque acredito neles, vejo através de um espectro a menina que fui um dia, chora e chora porque não me reconhece mais.

Não quero falar da verdade.

Ela habita em mim tão lúcida e dolorosa que sou capaz de contar suas vértebras, uma a uma, perder a conta e recomeçar, Sísifo subindo a montanha, empurrando a si, sabendo que nada adiantará tamanho esforço – não sairá do lugar, continuará o mesmo, apesar daquela ruga no lado esquerdo do rosto.

As nuvens não são feitas de algodão.

Não posso sair do meu corpo e acabar com o ar que me falta, frio nas mãos, a garganta seca, vertigem rodando e rodando até repousar em terreno fértil onde posso encontrar algum sentido.

O pouso efêmero.

Novo ar que me falta, frio nas mãos, a garganta seca. Peço ajuda a meu amigo, ele só pode me aguardar na próxima parada, piscar, oferecer o ombro. Então posso chorar e chorar a cachoeira dos olhos até a camisa azul cor de céu. O lenço branco estendido.

Lembro quando brincávamos juntos. Naquela porção de instante as almas não se falavam, unas, duas, eu e meu amigo. Podíamos saber o que o outro sentia pelo arfar dos pulmões, o tamborilar em cima da mesa, palavra engasgada que não saltava aos lábios e inundava o ar.

Meu amigo.

Ele ali buscando as palavras nos meus olhos e o meu sofrimento de grande tornava-se fino, transparente.

Meu doce amigo.

Vejo-o se afastando na plataforma, nem olha para trás, mas sei a dor que carrega no peito: não somos mais o espelho um do outro, não posso mais ver brilhar nele as cores das minhas virtudes ou a neblina dos meus limites.

Fiquei apenas com os sonhos, um leve aroma de terra molhada, aquele último aceno, e a sensação de um dia ter visto esta cena.

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* Extraído de Diálogos, 2010, Editora Calibán.

** Olhos fechados. Curta-metragem adaptado do texto homônimo que faz parte da trilogia Diálogos. Texto, edição e direção: Patricia Tenório. Figurino e produção: Jorge Féo. Com Ísis Agra e Thiago França. Diálogos foi vencedor da 4ª Edição do Banquete de Curtas — Cine Banquete — Recife — PE, janeiro de 2011.

Obs: Vídeo enviado pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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