novembro 2009.
Desenvolver a mística não pode se confundir com o culto ao passado, relembrar os momentos trágicos da história e criar o sentimento da dor e morte sempre presentes para estimular a cultura de resistência entre sujeitos de semblantes pesados, sorrisos tristes e punhos cerrados.
É a vida que causa paixão, é pela vida que os seres humanos se movem, é ela que deve ser celebrada. Que se celebre os lutadores em vida, que se declare o reconhecimento a cada pessoa pelo esforço de sua luta. Celebrar a vida e a alegria não é esquecer os compromissos da luta por transformações, é lembrar que o ser humano tem o direito de sorrir e ser feliz.
Observa-se, hoje, uma conjuntura que vai de um extremo ao outro, da mística ao misticismo. Diante da mercantilização total da vida cotidiana, a mística corre o perigo de se tornar mercadoria, chavão, moda. Mística pode significar recitação de poesias, serenata, cantoria, reza; pode ser um olhar contemplativo à beira de um rio, um ritual festivo na aldeia e o êxtase de um monge tibetano.
A mística não é propriedade de nenhuma instituição. A palavra “mística” tem a mesma raiz que a palavra “mistério”. O mistério não se explica, vive-se, na contemplação e na ação cotidianas. A mística é como a utopia. Ambas não se deixam aprisionar em conceitos ou definições.
Não podemos ter místicas como se tem uma propriedade ou um objeto. Somos místicos. A mística não pode ser funcionalizada onde tudo é avaliado por sua funcionalidade ou pela utilidade que tem. Rezar e fazer poemas não tem utilidade, não tem preço, não pode ser vendido. A mística está no meio de nós como dom, não como posse. Mas o que não tem preço, pode ter muita dignidade. Temos mística ou somos místicos? Talvez, temos e fazemos mística e ainda não somos suficientemente místicos. Ninguém é místico vinte quatro horas por dia. A mística se revela no serviço desinteressado a causa dos oprimidos e nos faz simples, despojados, leves.
Na mística, se vive o fim da dicotomia entre o campo espiritual e o material; não é luta e contemplação, mas luta na contemplação ou contemplação na luta. A redução da utopia para um suposto realismo no “aqui e agora” cria miopia, faz perder a esperança, compromete a fé e enfraquece a solidariedade.
A mística tem dois braços. É mística da terra, da realidade material, da luta e das marchas e a mística do transcendente que se faz carne a cada dia; luta simbólica presente na transfiguração das estrelas, do céu, da poesia, das canções, dos bonés e das palavras de ordem.
“Mística é o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudança, ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentar a esperança face aos fracassos históricos.”
Obs: Parte III será postada no dia 20.04.2010