domseb profeta profetisa

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Profeta ou profetisa, uma de suas características mais importantes é a pobreza, que poderíamos chamar de antropológica, ser pobre de si mesmo(a). Essa pobreza que marca o ser, em sua profundidade, tende a transbordar e, ao mesmo tempo, é por ela condicionada, em pobreza sociológica (econômica). Conforme o testemunho de santos e santas, se alguém é pobre de si mesmo, é entre os pobres que acha lugar (cf. Hb 11, 32-38). Pensemos em São Francisco de Assis, em Pedro Valdo, São Vicente de Paulo, Luiza de Marillac, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Oscar Romero, Helder Camara, Gandhi… O caso supremo é Jesus que “renuncia” a Sua condição divina e se faz ser humano como nós, mais ainda, assume a figura de servo e, na qualidade de escravo, morre para “defender” Seus senhores (cf. Fl 2, 1-11). Imaginemos nós, patrões do próprio Filho de Deus: “Pois qual é o maior: quem está à mesa ou quem serve? Não é quem está à mesa? Eu, porém, estou no meio de vós como quem serve! (Lc 22, 27).

Na verdade, mais  que  carisma pessoal, uma espécie de qualidade da pessoa, a Profecia é uma situação, um dinamismo em meio ao qual alguém se descobre “enlaçado”, irresistivelmente arrastado na direção de Deus. Sim, porque a profecia é revelação do “não ser” do que nos parece consistente; situa-nos para além do presente, pois tem sua sede no futuro e, assim, é dinamismo de superação do hoje, é sempre descortinar o amanhã. Nenhum momento presente, por mais rico e promissor, consegue ser o que se anuncia como ainda possível. É a Profecia que confere sentido ao hoje, ao aqui e ao agora.

É que Profecia nada mais é que outro nome de Deus. Ninguém é Deus, nada é Deus, nem tempo nem lugar nenhum se identifica com Ele. Mesmo dons e carismas que d’Ele vêm não são Ele mesmo. É sempre o “mais”, o que está adiante do agora e do aqui, para além de todas as pessoas e de todas as coisas. É como “ambiente”, maravilhoso e misterioso, no qual “vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). Nós só O experimentamos como “situação” de quem vive o presente em radical atitude de abertura ao “para-além” de tudo, voltando-se sempre para o amanhã. Por isso, Profecia é a única “fuga do mundo” que se permite quem é de Deus, pois nunca se pode tratar de fuga para pôr-se de lado, à margem, como alguém que de fora só aguarda que “o circo pegue fogo”. Só é permitido “fugir adiante” para, “como quem visse o invisível” (Hb 11, 27), anunciar o que já se vê no horizonte. É fugir na direção do futuro em esforço divino de consigo arrastar o mundo inteiro.

Profeta/Profetisa é alguém que renuncia a ser e a ter para deixar-se carregar por Algo maior  do que si mesmo e suas posses, para sentir-se “transportado”, arrebatado, aceitando que até mesmo a Profecia lhe seja tirada, quanto mais a vida. Nada é mais seu. Essa pobreza radical, por dentro (antropológica) e por fora (sociológica) coincide com a “dinâmica do provisório”.  Profeta ou profetisa não pode sentir-se seguro(a) nas próprias certezas. Sua figura não é a de alguém que se “assenta”, como se dá com quem se satisfaz com este mundo e, automaticamente, integra o grupo de “perversos e escarnecedores”, maus e gozadores (cf. Sl 1). Não, a Profecia abre “caminho”, cria sempre, reiteradamente, peregrinos e peregrinas neste mundo, sempre “à procura de uma pátria (…) uma pátria melhor” (Hb 11, 14-16). Até a Profecia é incerta e provisória, pois há outros profetas, há outras profetisas, há outras correntes na direção do futuro e há possíveis enganos… e no momento em que se faz dizível e, eventualmente se cumpre, já se torna elemento deste mundo presente, já passa a constituir o tecido do agora, sempre superável pelo futuro. Por isso, não cabe a profetas e profetisas agarrar-se a “mitos”, imagens e convicções “sagradas”, imóveis e permanentes. Vivem “a dinâmica do provisório”. Daí, que a Profecia não se pode fechar ao diálogo, mesmo que faça sofrer pelo conflito que provoca.

Finalmente, o teste de autenticidade da Profecia é nunca se comprazer com o presente, mesmo que seja realização do que se previa. Não se pode ter ilusão de “possuir”… o que porventura se vê pode ser até realização de “sua” profecia, mas ele ou ela sabe muito bem, por experiência testada, que que nunca chega a corresponder à Profecia. O realizado já vira presente, já se torna agora, já se faz elemento indelevelmente marcado pela ambiguidade deste mundo. Qualquer apego ao presente já faz do agente da Profecia alguém pertencente ao “velho mundo destinado a ser destruído”, já se terá tornado gente do passado. A Profecia já o terá abandonado. Quem sabe, tornar-se-á “velho(a)” prudente, “cheio” de experiência, vivedor do quotidiano, envolvido na trama do presente, pequeno e, às vezes, até mesquinho…

Mas a Profecia, sustentada a pão e água, prossegue a levantar de debaixo do junípero outros homens e mulheres, com coragem e disposição de caminhar deserto afora (cf. 1Rs 19, 1-8).

Obs: Imagem enviada pelo autor.
Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB…..

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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