Maria-Clara22

(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio)
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Ao retornar do lançamento do livro que organizei juntamente com o colega Paulo Fernando Carneiro de Andrade sobre Dorothy Day,  na Livraria Travessa, no Rio de Janeiro, reflito sobre como essa grande mulher não é conhecida na América Latina e no Brasil.  Parece uma contradição, quando toda a sua vida foi voltada para a opção preferencial pelos pobres, algo tão característico do sul do mundo, terra de injustiças e desigualdades, onde vivemos. Talvez a novidade de seu pensamento e ação fosse o de fundar essa opção ao norte da América.

A sensibilidade social de Dorothy Day tem traços extremamente atuais, que dizem muito sobre seu nível de consciência, à frente de seu tempo. Sem jamais apresentar uma tendência assistencialista ou alienante em seu amor pelos pobres, para ela sempre é muito claro que há de se estar junto aos pobres, com eles, mas também lutando incessantemente contra a pobreza. Uma caridade assistencialista não é suficiente. Não era o bastante assistir as vítimas da injustiça social; era necessário, além disso e inseparavelmente, trabalhar para atingir e destruir as causas das desordens sociais.

A partir de questões concretas, sua sensibilidade era tocada, aguçada e questionada. E ela se perguntava:  “Onde estarão os santos, a fim de transformar a ordem social, não apenas para serem ministros religiosos para os escravos, mas para acabar com a escravidão? ”  Não basta lutar contra os efeitos da pobreza. Esta é um mal e deve ser extirpado. Para isso, há que se transformar a sociedade pela raiz.

Essas reflexões que se multiplicam através de todos os seus escritos  mostram-na como pioneira de movimentos que emergiriam apenas posteriormente na Igreja. A consciência do pecado social e da necessidade de soluções estruturais em vez de simples paliativos está muito presente, por exemplo, na Teologia da Libertação, que explodiu com grande força na Igreja latino-americana nos anos 1970.

A necessidade de soluções políticas e estruturais – não apenas paliativas e fragmentadas – emergiriam na Teologia da Libertação que inspirou a Igreja latino-americana durante os anos 1970.  O Catholic Worker Movement, criado por Dorothy Day juntamente com Peter Maurin, não era simplesmente uma instância cívica ou política, mas uma atitude espiritual e fruto de uma leitura radical dos Evangelhos.

Dorothy Day acreditava ser necessário experimentar a pobreza a partir de dentro, porque esta era a única maneira de desenvolver a verdadeira solidariedade aos pobres, abraçando seu mesmo destino. Fundando o Catholic Worker Movement, ela criou algo novo no Catolicismo Social do século XX.

Para alguns pesquisadores, o CWM é considerado algo que encarna uma teologia da libertação implícita, no contexto estadunidense. O CWM reivindica a pobreza voluntária, a não violência, a prática diária das obras de misericórdia, e a busca de uma autêntica libertação do pecado pessoal e social: uma conversão de corações e uma transformação das estruturas.

Nos anos 1930, quando o CWM começou, as mais fortes preocupações eram o desemprego massivo e a terrível pobreza causada pela Grande Depressão.  Mesmo após a mudança dos desafios, o movimento continuou, em solidariedade aos trabalhadores pobres marginalizados pela sociedade: através de greves, lutas sindicais, protestos contra guerras e prisões injustas.  Para Dorothy Day, estas ações eram equivalentes a testemunhar e proclamar os Evangelhos. Entre as críticas do movimento estavam: distribuição injusta da riqueza; organização política do governo; imagens distorcidas da pessoa humana causadas por classe, raça e restrições de gênero; e a corrida armamentista. O movimento falava em favor de seres humanos, uma sociedade descentralizada, atos de não violência, obras de misericórdia e pobreza voluntária.

Os pobres estão no centro do CWM, como estiveram para sua fundadora, Dorothy Day: “Enquanto nossos irmãos sofrem, devemos ter compaixão deles, sofrer com eles. Enquanto nossos irmãos sofrem por necessidades básicas, nos recusaremos a desfrutar de confortos. Encontros concretos diários com os pobres se tornaram o “áspero e terrível amor” sobre o qual ela frequentemente falou.

Sua concepção sobre o serviço aos pobres antecipa a Teologia da Libertação, que concebe o Deus da revelação judeu-cristã como um Deus “parcial”, que “prefere” os pobres. Como Pai amoroso, Deus se aproxima daqueles que estão mais necessitados: os pobres, os órfãos, a viúva, o estrangeiro. Ele sustenta aqueles que não têm ninguém que fale por eles.  Isto é o que o CWM quer imitar.  É neste encontro diário que o CWM nasceu, em gestos pequenos e concretos, como escrever um jornal e distribuí-lo por um centavo, ou dando boas-vindas aos que estão em necessidade, em busca de café quente e abrigo.

Estas ações teriam impacto além do tempo e espaço em que eram praticadas.  Décadas depois, a Igreja latino-americana, através da TdL, as fez visíveis novamente.  Antes desses teólogos fazerem suas reflexões, Dorothy Day e Peter Maurin combinaram uma filosofia do comportamento com ação concreta, inspiradas pela teologia do amor encarnado. Os pontos comuns entre o legado de Dorothy Day e a reflexão teológica que nasceu e cresceu na América Latina após o Concílio Vaticano II são notáveis. E, por isso, esperamos que o livro recém lançado ajude a fazer sua experiência e seu legado mais conhecidos e praticados entre nós.

Obs: A teóloga acaba de lançar o livro Fé, justiça e paz – O testemunho de Dorothy Day (editoras Paulinas e PUC-/Rio), organizado juntamente com Paulo Fernando Carneiro de Andrade.

Copyright 2016 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato:  [email protected]  

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