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Laura senta em uma mesa do restaurante cercado de vidro. Ele fica no meio doshopping center. Ela escolhe uma mesa que dá para ver as pessoas passarem.
Um casal de velhinhos.
Um casal de jovens.
Adolescentes de mãos dadas, adultos de mãos dadas, os velhinhos se afastam…
De mãos dadas.
O garçom vem receber o pedido de Laura.
– Uma taça de vinho branco, por favor.
Chadornnay? Sauvignon blanc? E entre as duas uvas, entre os dois vinhos, Laura se lembra de Marcelo.
– Garçom, duas taças de sauvignon blanc.
Estávamos no hotel em Gramado. Marcelo parecia mais jovem, parecia mais bonito, o grande sedutor. Ele havia me pedido em casamento; eu ostentava a aliança de noivado na mão direita.
– É uma pedra de brilhante.
O brilhante faiscava a luz do lustre antigo quando o garçom veio ao ouvido do meu noivo e sussurrou algum segredo. Marcelo empalideceu, pediu licença e saiu em direção ao telefone.
– Sua taça de vinho branco, madame.
Olho ao redor. Estou no shopping center. No aquário em forma de restaurante e continuo vendo as pessoas passarem. Elas não estão mais de mãos dadas. Elas passam por mim indiferentes ao que me aconteceu, ao que a mim sucedeu naquele longínquo hotel de Gramado.
Esperei dez, vinte, trinta minutos, uma hora, a noite inteira. Marcelo não voltou. Marcelo não retornou jamais. E no outro dia, na recepção do hotel, apenas um bilhete.
– Sinto muito.
Eu também senti muito. Eu também desesperei. E por isso todo dia treze de agosto vou a um restaurante comemorar o aniversário de noivado.
– A senhorita está sozinha?
Um homem alto, magro, de óculos.
– Não, não estou.
O homem alto, magro, de óculos olha ao redor, procura ao redor a minha companhia.
– Não vejo ninguém.
Eu calada.
– É uma pena uma moça tão bonita desacompanhada bebendo uma taça desauvignon blanc.
Olho para o homem alto. Analiso bem sua expressão.
– O senhor está enganado. Não estou sozinha.
Mostro o livro Toda poesia, de Ferreira Gullar.
Olho mais uma vez o seu rosto parado.
– E o vinho é chadornnay.
(“O aquário”, 14/08/16)
*
João Ricardo perguntou o que havia falado para Elisabete que ela entendeu errado.
Do outro lado do balcão, ela colocava a mão em concha no ouvido tentando colher as últimas sílabas da frase proferida.
– … poderia?
Poderia o quê? Passar a conta? O sal? A pimenta? A blusa azul cor do céu?
João Ricardo se aproximou; Elisabete se afastou do balcão temendo um assalto, prevendo um assédio, e buscou na gaveta aquele botãozinho de chamar a polícia.
– Ele é bandido?
– Ele é correto?
– Ele é romântico?
A moça lembrou dos livros clássicos. Aqueles que ensinavam errado aquilo que ela considerava certo.
O rapaz não se importou em ser confundido. Há tempos de herói, épocas sombrias. E por aí vão as histórias que agradam as moças sonhadoras.
Ele foi um sonhador, numa fase dessas da vida. Mas cansou de esperar por uma moça, esperar que a moça, do outro lado do balcão, lhe desse a mão em casamento.
(“O eco”, 23/08/16)
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* Patricia (Gonçalves) Tenório escreve prosa e poesia desde 2004. Tem dez livros publicados, O major – eterno é o espírito (2005), As joaninhas não mentem (2006), Grãos (2007), A mulher pela metade (2009), Diálogos e D´Agostinho (2010), Como se Ícaro falasse (2012), Fără nume/Sans nom (Ars Longa, Romênia, 2013), Vinte e um/Veintiuno (Mundi Book, Espanha, abril, 2016), e A menina do olho verde (livros físico e virtual, Recife e Porto Alegre, maio e junho, 2016), traduzido para o italiano por Alfredo Tagliavia, La bambina dall’ochio verde, a ser publicado em setembro, 2016 pela editora IPOC – Italian Paths of Culture, de Milão. Defendeu em 17 de setembro de 2015 a dissertação de mestrado em Teoria da Literatura, linha de pesquisa Intersemiose, na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, “O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde: um romance indicial, agostiniano e prefigural”, com o anexo o ensaio romanceado O desaprendiz de estórias (Notas para uma Teoria da Ficção), sob a orientação da Profª Dra. Maria do Carmo de Siqueira Nino, a ser publicada em outubro, 2016 pela editora Omni Scriptum GmbH & Co. KG / Novas Edições Acadêmicas, Saarbrücken, Alemanha. Contatos: [email protected] e www.patriciatenorio.com.br