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O pai e os dois filhos, sentados na sala de embarque. Os filhos pequenos, calculo três anos para o mais velho, um ano e pouco para o mais novo. Conversavam os dois, papos desconexos, a voz suficientemente  alta a ponto do som me chegar bem nítido. De quando em quando, o menor pedia água, que era servida pelo pai. Depois, no embarque, já na aeronave, vi os dois, tangidos pelo progenitor, passarem por mim.

A cena me fez retroagir mais de sessenta anos, para me ver, ao lado de Bosco, ambos pequenos, ele o mais velho, a sairmos no domingo à tarde, para a praça, segurando a mão de papai, a gente trajando roupas idênticas, como se fosse uma farda. Mamãe ficava na porta a testemunhar nossa saída. A cena se repetia semanalmente. Na praça, ganhávamos pipoca, ou rolete de cana, ou um pirulito, comprado no bar de Francisquinho Tavares. O picolé ainda não tinha chegado a Itabaiana. Era o ritual dos domingos à tarde.

Depois, os anos passaram e a rotina do domingo à tarde mudou. Apareceu o matinée do cinema de Zeca Mesquita, fosse qual fosse o filme. O campo de futebol, com o Itabaiana recebendo a visita de algum time de fora, também  entrou no circuito. A realidade do que se seguiu mostra o trio esfacelado, cada um para o seu canto, embora papai não tenha perdido o hábito de ir a praça. Nós é que nos libertamos de suas mãos no domingo à tarde.

Em outro tempo, a praça voltou a nos despertar interesse, porque passamos a apreciar as meninas dando voltas em torno da calçada. Agora não eram mais vistas, mas apreciadas, na troca de olhares que os tempos recomendavam, a coragem para acompanhá-las e puxar conversa, que muitas vezes fugia para bem longe, o coração que começava a se apaixonar.

Foi o que veio à tona ante a cena dos dois meninos papagaiando na sala de embarque. Oportunos esses dois irmãos que quebraram a solidão de meus voos, me fazendo atravessar o tempo para me ver na mesma idade. Pena que naquela época, nenhuma foto me tenha captado para o meu registro de menino de dois a três anos, que há de me faltar sempre. A máquina fotográfica não integrava nosso acervo de preciosidades.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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