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Nos meios de comunicação e na vida de muitos jovens, esta semana é dominada pelas comemorações do dia dos namorados. O comércio promove tudo o que pode para lucrar mais. Talvez, por causa disso, muitos eventos em torno desta data recorrem a certo romantismo, com tal apelo emocional que, dificilmente, escapam ao que, popularmente, se classificaria como brega. Entretanto, no mundo da internet rápida, no qual as pessoas namoram virtualmente e há até quem combine casamento sem nunca ter encontrado realmente a pessoa em questão, o namoro clássico pode ser excelente instrumento para uma aproximação gradual da outra pessoa e um útil aprendizado da bela, mas exigente arte de amar. Nos anos 60, a “arte de amar” foi título e tema de um livro do psicólogo norte-americano Erick Fromm. Ele nos ensinava que, embora o amor corresponda a um desejo natural e a um impulso instintivo de todo ser humano, na realidade, amar é mais do que isso. Mesmo se, nas pessoas, o amor parece ser algo espontâneo, supõe um aprendizado, na maioria das vezes, lento e progressivo. Tanto na cultura urbana, como nos ambientes mais rurais, quem namora aprende a lidar com o outro como alguém que é íntimo e, ao mesmo tempo, sempre um mistério sagrado a ser contemplado e assumido como tal, mas nunca totalmente decifrado.
Aparentemente, o namoro nada teria a ver com a fé e a espiritualidade. Entretanto, em várias tradições religiosas, a aproximação amorosa de duas pessoas é vista como sinal e profecia da intimidade de Deus. Na Bíblia, o profeta Jeremias lembra ao povo de Israel a travessia do deserto, como tempo do namoro com o Senhor (Jr 2). Oséias diz que Deus promete ao povo cativo: “Vou de novo conduzi-la ao deserto e falar ao seu coração” (Os 2, 16 ss). No tempo das primeiras comunidades cristãs, o livro do Apocalipse contém uma carta à Igreja de Éfeso, na qual o Cristo apela: “Volta ao primeiro amor da tua juventude”.
Na Bíblia, o deserto é um lugar geográfico que para o povo dos hebreus representou o tempo do aprendizado do amor solidário, da experiência de ser livre e de descobrir mais profundamente a intimidade de Deus. Com a evolução da revelação divina, o termo “deserto” se tornou símbolo de todo caminho para a interioridade. Ninguém precisa de Bíblia para compreender porque quem namora gosta de lugares mais retirados e discretos. O amor precisa de momentos e de espaços assim, não apenas para experimentar a relação sensual. Esta pode ser profundamente espiritual e sagrada, mas a intimidade da relação amorosa serve também para que as pessoas se encontrem de coração a coração. Então, cada um/uma pode estimular a outra pessoa a uma viagem mística até o mais íntimo de si. Ali, como em um jardim secreto, no qual só quem é iniciado penetra, Alguém mais íntimo a nós do que nós mesmos nos espera e nos renova na inefável arte de amar.
Esta arte precisa ser desenvolvida por toda a vida, independentemente de idade e condição social. Há poucos meses, na Itália, partiu para a outra dimensão da vida, uma poetisa que, durante anos, foi candidata a prêmio Nobel de literatura. Através de um amigo comum, conheci e me tornei amigo de Alda Merini. Era uma mulher muito original. Viveu em Milão, quase sempre sozinha, mas, até seus quase 80 anos, era sempre possuída por uma intensa busca do amor apaixonado e romântico. Uma vez, me mostrou vários de seus poemas. Mesmo sem ter a necessária veia poética, traduzi alguns e ouso partilhar com vocês um deles, transcrito como prosa . Faço-o, em memória da querida Alda Merini e o dedico a toda pessoa apaixonada. Chama-se : “O namorado”.
“Todos perguntam quem é meu namorado. Querem saber com quem gosto tanto de, durante o dia, falar e por noites inteiras tagarelar.
Descobriram que não falo com ninguém e com este ninguém intimamente converso. Chamaram-me louca porque eu falava com tua sombra e porque sempre te via, presente no meu aconchego. Eu te via e ainda vejo sobre as paredes, a te mover. Contigo caminho no lento vagar das horas e em meu corpo imprimes o teu sabor. Deitamo-nos como no ar e tu teces em minha alma arabescas posições de amor.
Não vais à Igreja, à devoção, simplesmente para ficares perto de mim, porque eu mesma sou tua prece, tua canção. Eu te vislumbro até na escuridão e de ti não me separo, nem na mais cruel solidão.
Sei que me procuras no umbral da janela, esperando o xeque-mate da minha vida, qual cavaleiro do rei e do bem. Estás presente na casuarina que geme, como na espiral da morte que se pressente e vem.
As vezes, dá-me a sensação de te seguir até o além, quando me levam de novo a um hospital psiquiátrico, somente porque te quero bem”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.