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Quem analisa a situação geral do mundo ressalta que a percepção atual não é apenas a de que o mundo continua radicalmente injusto, mas a de que se vai tornando claramente absurdo. Dois terços da humanidade continuam buscando lugar “nos porões da humanidade”. E o absurdo se torna ainda mais evidente quando vemos que já não há lugar para crianças e pessoas idosas, já não parece haver espaço (moradias sempre mais pequenas e precárias, quando se tem casa…) nem tempo para elas. Só pouca gente ainda tem tempo de parar e olhá-las nos olhos.
Diante do absurdo já não há racionalidade e, consequentemente, não é mais possível formular “projetos”. Ora, até há pouco se pensava que no ser humano, a Terra, a Natureza, chegava ao nível de consciência de si e se percebia como capacidade de amar (diálogo) e de projetar a si mesma na direção do futuro.
Se já não se vê horizonte de possibilidade de projetos, já não há experiência de ser pessoa, ser em relação e, por isso, aberto à transcendência, pois esta é, por si mesma, abertura a outrem – à Natureza e à Sociedade – e ao futuro como o além do presente e de tudo o que se vê. A consequência óbvia é que cada ser humano, enquanto indivíduo, isto é, coisa em si e para si, toma, para caminhar, seu próprio atalho, e o atalho isolado se torna o sentido de viver, já não há ideais e utopias, desiste-se do coletivo e do Todo. Desiste-se do Mistério da Vida. Tudo se apequena no raio de meus curtos passos.
Se a vida já não parece tem sentido, e se torna sempre mais apenas objeto de manipulação e mercadoria, também a morte se torna absurda, pois já não se a vê inserida no ritmo da vida e revelação radical da transcendência do Ser. Vira só incidente/acidente indesejável a afastar o mais possível. Já não tem mais a face de “Irmã Morte que vem a todos, ao fraco e ao forte”. Já não suscita compaixão, só desgosto, quando não revolta, ou, paradoxalmente, mórbido, doentio desejo. O sintoma mais claro disso é, ao não mais suscitar compaixão, ser sentida como algo banal, morrer e matar entram no quotidiano, como “preço necessário”, “efeitos colaterais” do desenvolvimento, o que já se faz evidente na maneira como os Estados tratam a guerra, que chega ao requinte de ser julgada exitosa pelo nível de “eficiência” ou “desempenho tecnológico”. Daí, a íntima aliança com o setor industrial que mostra sua face evidentemente perversa no “complexo industrial militar”. Saúde e Educação se degradam a mercadoria, até muitas igrejas viram agências de mercado.
Esconde-se a velhice por detrás de cirurgias estéticas, de pintura de cabelos, de máscaras de cremes de maquiagem. Já quase não se morre mais em casa, naturalmente, no seio da própria família. Esconde-se a morte na frieza impessoal do secreto das UTIs, e os cemitérios se tornam parques, com construções elegantes, lanchonetes, jardins com música de fundo, sem “monumentos” que obrigariam a recordar a morte. É a morte envergonhada, na busca de se esconder… E o morrer se torna um fato de mercado a mais, “em suaves prestações”, tudo com elegância de coisa sofisticada. E a gente vai-se acostumando a sair dos cemitérios como se viesse de um “encontro social”, apenas, quem sabe, sempre ainda um tanto incômodo…
Obs: Imagem enviada pelo autor.
Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB…..