Intriga-me a bolsa da rainha Elizabeth II. Ao receber a nova premiê britânica, Theresa May, a soberana trazia dependurada, no braço esquerdo, uma bolsa preta, ao estender o direito para saudar a mulher que dará cumprimento à fase de duplo ilhamento da Grã-Bretanha: por ser uma ilha do oceano Atlântico e por decidir se retirar da União Europeia.
Você, leitora, me diga: alguma vez, ao receber visita em casa, costuma carregar uma bolsa? Isso seria compreensível se fosse o contrário, a rainha recebida na casa da primeira-ministra.
Ocorre que Elizabeth estava em sua própria casa, o Palácio de Buckingham! Pra que bolsa? Chefes de Estado, reis e rainhas não carregam pastas nem bolsas. Não há foto de Obama, Angela Merkel ou Lula de bolsa ou pasta a tiracolo. A exceção é o papa Francisco, que faz questão de levar em mãos a pasta com os livros que está lendo.
Qual a razão da bolsa da rainha? Aliás, quase sempre preta. E não duvido que seja sempre a mesma. Por que trazê-la consigo? Urgência em caso de necessitar um lencinho? Ora, ela dispõe de centenas de assessoras, e qualquer uma delas pode se postar às costas da majestade com uma valise contendo tudo que a patroa precisar: lenço, perfume, batom, espelho, escova, caneta, bloco, telefone, e mil outros objetos que costumam se embaralhar em bolsas femininas.
Será que a bolsa guarda uma garrafinha de gim? Sua mãe, a rainha Elizabeth, que morreu aos 101 anos, não dispensava uma dose diária da bebida. Ou quem sabe a bolsa contenha um celular vermelho diretamente conectado com as autoridades de segurança nacional para o caso de o reino sofrer invasão…
Imagino que ser rainha é bom por certo tempo. Depois deve se tornar enfadonho viver ao ritmo de tantos salamaleques e submeter-se a tantos protocolos. Quem sabe Elizabeth, ao receber visitas, fica na expectativa de ouvir o convite: “A senhora não prefere que conversemos em um pub de Camden Town?” Ela adoraria: “Boa ideia! Vamos. Estou pronta!”
O problema é que ninguém ousa propor isso à soberana. Mesmo assim, ela anda de bolsa na sala de visitas do palácio. A novela monárquica da qual é a principal protagonista é real, no duplo sentido. Por isso, não duvido de que ela tenha uma ponta de inveja de nós, pobres mortais, que podemos ir e vir com liberdade. E se invejamos a rainha é porque não sabemos apreciar quanta felicidade há em ser uma pessoa comum.
Obs: Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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