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O mundo está mergulhado em clima de copa. Nestes dias, futebol é assunto do noticiário internacional e até matéria de políticas públicas. Países cujos nomes só são comumente ouvidos ao se tratar de conflitos e tensões internacionais, nestes dias, aparecem competindo fraternalmente em clima de paz. O espetáculo da abertura da Copa é sempre uma celebração belíssima. Nela, a humanidade parece uma família única, reunida na diversidade de cores, bandeiras e culturas. É como anúncio do dia em que, de fato, não só no futebol, mas nas relações cotidianas, se consolide a unidade de uma só comunidade humana em todo o planeta. De fato, na origem dos campeonatos de futebol entre as nações, o projeto visava aproximar os povos e ajudar no diálogo das culturas. Ainda há um longo caminho a percorrer. Tanto no convívio interpessoal, como nas relações internacionais, ser parceiros de um jogo pode ajudar a resolver distanciamentos, mas os conflitos só serão verdadeiramente solucionados pelo estabelecimento da verdade e da justiça. Talvez por isso, mesmo na escala dos jogos da Copa do Mundo, ainda não podemos ter um jogo entre Estados Unidos e Coréia do Norte e menos ainda entre Israel e Irã.
De qualquer modo, cada Copa do Mundo serve para fortalecer a idéia de comunidades nacionais. Ao menos, em cada país, as pessoas vêem fortalecida uma identidade coletiva. Ao torcerem por seu time, ricos e pobres se sentem representados. Quando a seleção brasileira está em campo, mesmo cidades feridas pela violência urbana, experimentam uma diminuição significativa de registros de crimes.
Sem dúvida, para que a Copa do Mundo se torne, para os povos, instrumento de paz e de unidade, é importante que se repense a estrutura econômica em torno da qual ela se organiza. Para sediar uma Copa do Mundo, um país gasta milhões para construir novos estádios e adequar as cidades para a festa. Infelizmente, até aqui, como tudo o que é pensado no sistema econômico dominante, os investimentos têm privilegiado uma elite e não diminuem as desigualdades sociais. Na África do Sul, para esta Copa do Mundo, ao invés de contribuir para diminuir a desigualdade social do país, o governo afastou os mais pobres para periferias bem distantes, reprimiu as organizações trabalhistas e aprofundou injustiças gritantes.
Os mesmos governantes que dizem nunca ter dinheiro para políticas de promoção social das populações carentes, investem bilhões para megaeventos que movimentam a economia e podem render lucro. As cidades viram mercadoria e o objetivo dos governos é vendê-las.
Muitos pensam que, seja como for, estes investimentos acabam favorecendo as cidades e sua população. Bruno Gawryszewski, doutorando de educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), descobriu que este argumento nem sempre é verdadeiro. Para os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, 2007, saíram dos cofres públicos 3, 3 bilhões de reais. Com este investimento, as autoridades prometiam expansão do metrô, duplicação de auto-estradas, despoluição da Baía da Guanabara e novas linhas de transporte aquaviário. Nada disso ocorreu” (Brasil de Fato, 27/ 05/ 2010, p. 8).
Para hospedar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil já projeta novos estádios, construção de vilas olímpicas, adequação de transporte público e outros investimentos em todo o país. Isso pode ser muito bom para o povo, mas com a condição de haver uma verdadeira conversão de mentalidade nas pessoas e grupos responsáveis por estas obras.
No planejamento estratégico do Rio de Janeiro, para a Copa, está escrito que um dos problemas da cidade é a “visibilidade da população de rua”. Isso deixa claro que, para os que estão planejando o evento, o problema não é o fato de que no Rio, há uma imensa quantidade de pessoas sem moradia e sem condições de uma vida humana digna. Para quem escreveu este planejamento, o único problema parece ser a visibilidade destas pessoas empobrecidas nas ruas. Assim como os engenheiros testam a sanidade de um viaduto pelas vigas mais fracas e vulneráveis (se estas suportarem bem o atrito e o peso dos veículos, o viaduto está sadio), também em uma sociedade, a sustentabilidade social e a paz só podem ser garantidas quando se trata do problema da pobreza, da moradia e da saúde como desafio para todos.
Na América Latina, ao aprenderem a jogar futebol, alguns povos indígenas não aceitavam limitar o jogo a 90 minutos. Esticavam a partida até onde podiam, para que o jogo pudesse terminar com empate e assim ninguém perdesse. Na nossa sociedade, estimular a colaboração no lugar da competição parece ser nadar contra a corrente, mas nos ajuda a construir juntos um campeonato não só de futebol, mas de cidadania planetária e justiça internacional.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.