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Em vista das eleições 2010, a Justiça Eleitoral orienta: “Voto é secreto, mas não tem mistério”. O slogan é sugestivo e provocativo. Sugere reflexão e provoca à participação. Ao citar o caráter secreto, refere-se a um direito constitucional e não a algo clandestino e ilegal. Trata-se de um valor essencial à democracia; uma forma de resguardar a liberdade, a vontade e a consciência cidadã do eleitor. O voto secreto foi instituído pela Constituição Brasileira de 1934, a qual representou um grande avanço democrático para a época. Ela também estabeleceu a obrigatoriedade do voto para maiores de 18 anos e o direito de voto para as mulheres.
Votar não é um mistério, um dogma, uma ação oculta ou incompreensível. Porém, na história do Brasil, esse direito foi considerado como tal, uma arma perigosa. Com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, o regime de ditadura militar implantado em 31 de março de 1964, retirou as garantias fundamentais da cidadania. Decretou a cassação de mandatos eletivos federais, estaduais e municipais; suspendeu o direito de votar e ser votado; proibiu atividades e manifestações de natureza política etc.
Com a chamada “abertura política”, a partir de 1974, a cidadania começou a ser reabilitada. A revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a volta dos primeiros exilados políticos permitiram mudanças em diversos âmbitos da vida do país. Este foi um período de efervescência dos movimentos populares e sindicais e da organização política que desembocou na luta pelas Diretas Já, em 1984. A Emenda Constitucional Dante de Oliveira abriu a possibilidade de eleições diretas para Presidente da República, dando um passo significativo no processo de redemocratização do país.
Nesse contexto, a cidadania ganhou novo impulso, a par do que a Constituição de 1988 foi chamada de “Constituição Cidadã”. A mesma garante o voto obrigatório para maiores de 18 anos e voto facultativo para analfabetos, para maiores de 70 anos, para maiores de 16 e menores de 18 anos. Para ampliar o lastro democrático, também permite a realização de plebiscitos, referendos e projetos de iniciativa popular. Isso representou um estímulo significativo rumo à superação de uma cidadania passiva que predominou ao longo de nossa história.
A primeira lei brasileira de iniciativa popular, a nº 9.840, foi criada em 28 de setembro de 1999. Trata do combate à compra de votos e uso eleitoreiro da máquina administrativa. A mobilização foi iniciada com o lançamento do projeto “Combatendo a corrupção eleitoral”, em 1997, pela Comissão Brasileira Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O projeto de lei Ficha Limpa, também de iniciativa popular, que obteve 1,9 milhão de assinaturas, foi transformado em Lei Complementar nº 135, em 4 de junho de 2010. Visa impedir que candidatos com condenação na Justiça possam concorrer a cargos eletivos.
Além disso, na última década realizaram-se diversos plebiscitos populares. No ano 2000, sobre a dívida externa; em 2002, acerca da ALCA e Alcântara; em 2007, sobre a anulação do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce; em 2010, pelo limite da propriedade da terra. Embora sem caráter oficial, tais plebiscitos são exercícios de diálogo popular sobre temas complexos que dizem respeito aos interesses da sociedade. São expressões do anseio de participação efetiva do povo no controle dos recursos públicos e na regulação do bem comum.
Não obstante tenhamos avançado muito na consolidação da democracia nas últimas décadas, ela ainda não está fora de perigo. A democracia política, seja sob o modo representativo ou sob a forma direta, não foi capaz de resolver sérios problemas sociais, econômicos e ambientais ligados a desigualdade, ao desemprego, a violência, a segurança pública, a saúde, a educação, a reforma agrária, tributária etc. Sabe-se que a ação da sociedade civil em geral e, sobretudo, dos movimentos sociais populares é fundamental para aprimorar a democracia.
Cabe estimular a participação política para além das eleições, com intervenções diretas através de conselhos, movimentos sociais, organizações populares, fóruns, redes etc. É preciso qualificar e radicalizar a democracia, pois ela é um princípio que não pode ter limites e nem fim. É necessário superar as formas tuteladas e assistidas de cidadania para assegurar a possibilidade de uma cidadania emancipatória. Combater a pobreza política e material é exigência básica para a construção de uma consciência crítica e participativa capaz de elevar os indivíduos à categoria de sujeitos sociais. Votemos sem mistério, mas conscientes de que só votar é muito pouco.(26.09.10)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.