Marcelo Barros 1 de julho de 2016

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Nesses dias (de 22 a 26 de junho), na cidade de Maricá, RJ, ocorreu o 1o Festival Internacional da Utopia. Gente de todo o mundo se encontrou ali para partilhar seus melhores sonhos e se fortalecer uns aos outros na esperança de um novo caminho para a humanidade. O encontro foi rico em reflexões e debates. No entanto, a marca principal foi o caráter de grande celebração da vida com muitas representações musicais e artísticas. Para ensaiar novas formas de organizar a sociedade e confirmar que “outro mundo é possível”, esse encontro da esperança militante não ocorreu como congresso acadêmico, nem como fórum de reflexões e sim como festival lúdico e afetuoso. Assim, antecipou a festa definitiva da vitória.

Nos anos 60, em plena ditadura militar, as pessoas cantavam: Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer”. De fato, existe uma forma passiva e acomodada de esperar, sinônimo de aguardar ou deixar para depois. Isso nada tem a ver com a vigília esperançosa de quem prepara um novo dia de trabalho e de luta. Conforme Ernest Bloch, a verdadeira esperança é uma determinação fundamental da pessoa que dá uma orientação à vida e à realidade, no rumo de uma meta que é a utopia.

O termo grego utopia significa “o não caminho”, ou o que está além do caminho. No século XVI, tornou-se título do livro de Thomas Morus que falava de uma ilha, na qual o objetivo de cada um de seus habitantes era fazer com que todos pudessem ser felizes. Parece que Morus se inspirou na descrição que Américo Vespucci fez sobre a ilha de Fernando de Noronha que ele tinha visitado. Parecia o paraíso terrestre reencontrado no novo mundo descoberto por Colombo. A partir daí Morus imaginou a sociedade perfeita, na qual não havia propriedade privada e todos tinham tudo em comum em uma espécie de socialismo fraterno e pacífico. Até o século XX, considerava-se utopia algo impossível e irreal. Quando  alguém queria acusar um filósofo de não ter compromisso com a realidade, bastava classificá-lo como “socialista utópico”. Ernest Bloch resgatou a Utopia como algo positivo. Com ele, o termo passou a significar não um ideal irrealizável e alienado, mas a meta de uma sociedade nova. Embora não seja alcançada totalmente na história, a Utopia é importante porque mobiliza ações e possibilita projetos nos quais, ao menos em parte, a esperança é alcançada. Quanto mais alto e mais profundo for o teor da nossa esperança, mais somos chamados a nos comprometer em transformar desde já a realidade atual. Eduardo Galeano explica isso com uma imagem muito concreta: “A utopia está lá no horizonte. Eu me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos. A utopia parece mais distante. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que, então, serve a utopia? Serve para isso: para me fazer caminhar”.

A utopia mostra a meta para melhor fortalecer o caminho. Várias religiões se denominam como caminho. Na cultura chinesa, Tao significa caminho. Taoísmo é a espiritualidade que permite as pessoas caminharem de modo justo nas trilhas dessa vida. Também o Cristianismo primitivo tinha como nome o caminho. Na literatura brasileira, Guimarães Rosa fazia Riobaldo do “Grande Sertão Veredas”, repetir sempre: “O perigo não está na partida nem na chegada. Está na travessia”.

O 1o Festival da Utopia em Maricá, assim como todos os fóruns sociais que, pelos diversos continentes, reúnem a sociedade civil e os movimentos sociais insistem que a humanidade precisa e quer mudar de caminho. Todos serão mais felizes se passarem de uma cultura da competição para a cooperação. Podemos nos organizar não mais a partir da hierarquia e sim da parceria. A sustentabilidade pede que não se pense o futuro só a curto prazo, mas como dizem os índios iroqueses, “pensemos se nossas ações farão bem até a oitava geração de nossos filhos”. Isso supõe ampliar o foco do que é desejável para a sociedade. Até agora a meta parece ser  exclusivamente centrada no crescimento e na expansão. É urgente dar prioridade ao cuidado e à sacralidade da vida. Homens e mulheres precisam superar o mundo patriarcal para uma convivência de equilíbrio e igualdade entre os gêneros.

A fé judaico-cristã nos lembra que o destino de todo ser humano é aquilo que os profetas e os evangelhos chamam de “reino de Deus”, ou seja, a realização plena do projeto ou programa que Deus tem para o mundo. Segundo a Bíblia, não é apenas a sociedade melhorada. É uma revolução total, expressa em imagens como “vejo um novo céu e uma nova terra, na qual não haverá mais choro, nem luto, nem dor, porque tudo o que era da antiga condição foi superado e o amor divino será tudo em todos” (Cf. Ap 21, 5 ss).

Obs: O autor é monge beneditino e teólogo. É autor de 49 livros, entre os quais  “Evangelho e Instituição”. (Ed Paulus).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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