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Definitivamente, não creio que o governo Lula esteja no caminho errado. Não poderia, inclusive, crer nisso, visto que o governo FHC, das perspectivas econômica e social, ao que me parece, foi um dos bons governos da República e o de Lula, como se vê, segue a cartilha do anterior. Da perspectiva política, até um dos maiores aliados de Lula, o ex-presidente do Senado Federal, José Sarney, a despeito das justas críticas que se fazem a ele, teve um grande mérito político que poucos o vêem: o de conduzir com brilhantismo, quando presidente da República, a redemocratização do Brasil, o que não foi tarefa de estreita envergadura.
Ao se analisar a figura do presidente Lula e não a do seu governo, contudo, logo um estigma aparece: ele, tanto em comparação com Sarney quanto com FHC, não é dos mais preparados. Isso, é fato, em política e na vida às vezes não quer dizer muito, de forma que devemos torcer para que Lula, assim como aconteceu com ForrestGump, consiga sucesso (ainda resta algum tempo). Se pensam que tal comparação é um disparate, vejam a situação em Davos: Lula discursou em português porque não sabia outra língua e, em vez da imprensa brasileira considerá-lo um limitado, disseram que era autêntico. Autenticidade só há quando existe opção. No caso de Lula, os caminhos eram estreitos: ou falava em português e, com isso, ficava susceptível aos comuns erros e imprecisões das interpretações simultâneas, ou não falava, simplesmente.
Além disso, deve-se dizer que há um abismo descomunal e estranho entre as situações em que o presidente lê algo em público e as em que ele fala de improviso sobre temas complexos. Em uma, sai-se muito bem no quesito da leitura; em outra, é redundante, falho nas idéias e na gramática, além de faltar sempre, como já lembrou Pedro Malan, com a propriedade. Eis por que Reinaldo Azevedo escreveu em alguma das edições da Primeira Leitura que “Lulinha paz e amor, na forma em que se apresenta, é regressivo. É a nossa saudade da palhoça, da roça, a nossa grande dor, uma espécie de Jeca Tatu com sinal trocado, que, de repente, desperta de sua matuticequerendo, como se diz por aí, ‘fazer uma colocação’”. O fato é que o agir, como sabemos e Lula parece começar a aprender, é diferente do falar, ainda mais quando não se tem na fidedignidade da correspondência entre discurso e ação a sua maior moeda.
No que concerne ao PT, algo deve ser dito: o partido, fora da oposição, não sabe mais o que é democracia. Vejam as censuras impostas ao IBGE ou, ainda, lembremos das censuras dos petistas da cúpula aos que a imprensa passou a chamar de radicais, mas que, na realidade, são coerente. O estilo de fazer política de Heloísa Helena, para mim, sempre foi dos piores, agora quase que estou a considerá-la heroína, um espécimen quixotesco de idéias que, embora muita vez torcidas, são coerentes e retas.
Aqui, jaz ainda um paradoxo: o PT, embora siga com afinco não apenas o que ditou FHC, mas também Malan, demonstra um descompasso com esses na capacidade de receber críticas. Três meses depois da posse de FHC, apareceram nas ruas faixas exigindo uma renúncia injustificada de um presidente legitimamente eleito. Agora, nem os próprios petistas podem ser contra algumas doutrinas do governo. Isso mais parece o período histórico em que a figura legislativa chamada em russo de “politicheskoye buro”, presente no Parlamento da antiga União Soviética, era usada para coibir discursos críticos dos parlamentares. A esse respeito, inclusive, tive o prazer de ler um curto texto de Vera Magalhães, em que a autora elege o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, como o suposto chefe do comitê legislativo que pretende, no caso do Brasil, censurar e dirigir a opinião dos deputados e senadores, mas sempre dando a eles uma falsa noção de independência. Ora, não é o parlamentar absoluto e independente no seu discurso a ponto de não poder nem ser processado por crime de opinião? No Brasil do PT, talvez não.
De qualquer maneira, a realidade política brasileira é interessante, pois nos oferece um misto de pilhéria e seriedade. Lula, com o Fome Zero, refere-se a um problema seriíssimo, mas que, segundo o IBGE, foi superado. Ademais, admitindo-o como existente, ainda resta a crítica de que seus métodos são risíveis. Como parece que a Sr.ª Ruth Cardoso já o disse, esse assistencialismo no Brasil seria mais efetivo se o dinheiro fosse jogado de helicóptero nos lugares miseráveis e não se tal dinheiro seguisse o caminho burocrático, pois — mesmo sem falar da possível corrupção e desonestidade — serviria de munição para o coronelismo e para as oligarquias remanescentes no Nordeste e em outros recantos tupiniquins. Não cansa dizer, além de tudo, que populismo, sempre irresponsável, foi o pai do fascismo e o assistencialismo barato, seu parente mais próximo.
De tudo, há dois caminhos. Ou se vai ler Guimarães Rosa e admirar os quadros de Münch, ou se vai torcer para que, nas próximas eleições, o povo brasileiro entenda que o progresso e aprimoramento da sociedade só encontram caminho no trabalho árduo, na educação, na seriedade e no compromisso, valores incompatíveis com a propaganda oficial enganosa e com a idéia de que somos um povo especial, mesmo que não saiamos da modorra.
(Fev/2005)