teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *
Já com a classificação do Brasil garantida, sinto o desejo de descansar um pouco de Copa do Mundo como único assunto de todos os noticiários. Em vão. Parece que ninguém consegue falar, pensar ou produzir outra coisa.
Aliás, não começou apenas agora. Há tempos, seguramente há mais de um ano, as especulações sobre a Copa, quem seria selecionado, as notícias sobre a vida íntima e não tão íntima dos jogadores, suas famílias, namoradas, amigos etc. povoavam os meios de comunicação.
E nos anos anteriores também. Não diretamente direcionado à Copa da África do Sul, mas a propósito dos vários campeonatos regionais, nacionais, latino-americanos. E também, por que não? a propósito das apostas na bolsa de valores das celebridades esportivas. Cada vez que um jogador era comprado a peso de ouro por outro time, tínhamos que ler todos os detalhes da transação, juntamente com as reações do círculo familiar, os palpites dos comentaristas etc.
Mas o que fazer? Assim acontece com as celebridades. Estamos cercados delas por todos os lados e são elas que povoam nosso cotidiano e – aí é que está o problema – nosso imaginário. Aos jovens de hoje são propostos os famosos, os que recebem salários milionários apenas para chutar uma bola, ou para ganhar o Big Brother, ou para estrelar uma novela. Os filhos do operário honrado que sua de sol a sol para receber no fim do mês um magro salário que mal dá para pagar suas contas os admiram e sonham um dia viver a mesma vida glamurosa, repleta de êxito e dinheiro.
Não importa a formação que tenham, cultura ou inteligência, capacidade de articular duas idéias. Basta o pódio para onde a mídia e a máquina do consumo os guindou sem que tivessem feito muito esforço. Assim é que nenhum tem o menor pudor de admitir, diante das câmeras de televisão, que fugia da escola para jogar bola e por isso não terminou os estudos. Ou ser flagrado em farra monumental com parceiros de vários sexos e ter seu estado psicológico discutido nas páginas dos jornais.
São eles os paradigmas desta líquida pós-modernidade, que fazem até as torcidas se esquecerem do esporte em si mesmo, atividade sadia e bela, que eles deviam honrar. Tornaram-se ícones de um mundo irreal e injusto, que os expõe incessantemente, para incitar aqueles que por eles são fascinados a entrarem na mesma espiral que os domina.
Toda generalização é injusta e mesmo odiosa. Mas é impossível não ficarmos indignados ao assistirmos a cobertura da Copa na África do Sul, país símbolo da luta pela liberdade, tomada por esses aspectos distorcidos e mesmo irrelevantes da vida dos jogadores. Não tem sentido, durante dois meses, noticiar quem namoram ou que ganharão o equivalente a 600 mil euros se o time for campeão, além de outras informações igualmente escandalosas e injustas.
Enquanto isso, uma figura como Nelson Mandela, personalidade inspiradora, digna de toda admiração e respeito, foi posto em evidência no primeiro dia e depois escassamente recordado. Este, sim, deveria estar constantemente na mídia, lembrando ao mundo até onde pode chegar o ser humano em dignidade e nobreza quando faz uso para tal de sua liberdade.
Só resta ter saudades dos tempos em que nosso imaginário era povoado de heróis, de santos, de testemunhas dos mais variados credos e filiações. Hoje, nosso céu só é constelado de outro tipo de estrelas: celebridades e famosos, heróis fictícios e muitas vezes falsos, fabricados pelo mercado e pela mídia, que não nos levarão a condutas nobres nem alimentarão em nós grandes ideais.
Sem querer jogar água fria na alegria pela vitória brasileira nem negar que o futebol é um belo esporte. Mas…por isso mesmo…é necessário deturpá-lo e magníficá-lo desta maneira e a este ponto?
*Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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