Apreciei em Munique, num lago, o comportamento dos gansos, no momento em que as pessoas jogavam pedaços de pão. Ao lado deles, patos, e uns três tipos de aves aquáticas, – que não sei denominá-las -, todas sendo atraídas pela comida lançada, quer na água, quer na terra, vindo todos em debandada a catar no chão os pedaços atirados, como a esperá-los, também, na água, perto da margem. O papel principal cabe aos gansos. Tantos são os que mais se aproximam do homem, como são únicos verdadeiramente selvagens, contando-se, a seu favor, o fato de avançar, em bicadas longas, tanto no outro ganso, como em qualquer ave que pegue o pedaço de pão que acreditava ser seu ou que deveria ser seu. Essa mesma atitude já estava acostumado a ver no meio dos gansos no sítio de meu sogro, no Aracaju. Tal qual. Apesar de gansos do primeiro mundo, aqueles, ali, no parque, em Munique, eram, no aspecto, tão primitivos quanto os nossos, sergipanos legítimos mantidos em pequena propriedade rural.
O ataque se justifica ante a inveja que toma conta do ganso que se sente prejudicado. Nenhuma consideração ao outro, seja ganso, seja pato, seja marreco, seja o que for. Nesse aspecto, o ganso repete o homem, no momento em que ataca o outro, que está de barriga cheia, também motivado pela inveja. Ou seja. O homem sobe na vida. Da pobreza, na infância, o esforço no trabalho, durante anos consecutivos, a fazê-lo subir de classe social, galgando um lugar especial na comunidade. É o prato ideal para o ataque dos que, sem ter vocação e paciência, tenacidade e capacidade de trabalho, não vão além de uma vida simples e modesta. E aí o ataque. Não a beliscada do ganso, mas a crítica ferina, mordaz, injusta, que não é formulada para os que já nascem em berço esplêndido. A crítica é dirigida unicamente aos que sobem, porque, ao lado da admiração de uns poucos, muitos não perdoam seu triunfo, como se fosse lei o sujeito, que nasce pobre, assim permanecer a vida inteira.
O ganso, que ataca o outro, por um pedaço de pão que lhe foi atirado, se iguala ao homem que critica os que, vindo de baixo, triunfaram. Como não consegue se igualar, o ganso se vinga na beliscada; o homem, na ofensa. A inveja é a mesma que se estampa em um e no outro.
Obs: Publicado no Correio de Sergipe
[email protected]
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.