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MENSAGEM DE PÁSCOA 2016

Estamos a celebrar a Páscoa. Ainda ressoa em nossos ouvidos o que escutávamos ao iniciar a   Quaresma: “Lembra-te, ser humano, que és pó e em pó te hás de tornar”. A expressão “ser humano” é bem apropriada. “Humano” vem de húmus, do barro da terra. “Humildade” é perceber a verdade do próprio ser, aceitar profundamente que não passamos de húmus, um punhadinho de matéria sólida mergulhado em quase tudo água, que nosso estágio final é servir de pasto a plantas e animais, ao tornarmo-nos de novo barro da terra. Somos seres da terra e é a terra a nossa casa, mais ainda, pertencemos à terra: o ser humano é “Adam” (terrestre) porque é feito de “adamah”. Somos do mesmo barro de todas as coisas.

Agora, a Páscoa nos chega para tudo subverter. Somos seres de eternidade. “A vida não nos é tirada, mas transformada e, desfeita esta morada terrena, nos é dada nos céus eterna habitação”. Mas onde se situam os céus? Facilmente imaginamos que estão no alto, além das nuvens. E assim suspiramos como exilados(as), ou desejosos(as) de deixar “esta morada terrena” para fugir de toda agrura e dor, ou, o mais das vezes,  agarrados(as) a ela como a única garantia que temos de estar vivos(as) porque tudo o mais seria incerteza e, para muita gente, só fantasia.

Ora, a Bíblia nos diz que em Jesus foi-nos revelado que não há fronteira entre céu e terra, pois o céu é Deus e Ele está conosco, o céu é entre nós, pode ser aqui e agora. Quantas vezes dizemos a pessoas que amamos: “Com você eu estou no céu”. É justamente isto, o amor cria o céu e parece que nada mais nos falta. Por isso, o Apóstolo São Paulo tem a ousadia de dizer que “nós já estamos assentados nos céus”, pois já estamos na companhia de Deus. “Nossa vida está escondida com Cristo em Deus”( cf. Cl 3, 1-4)  Para além das aparências da morte e do fim, a mensagem do evangelho segundo São Marcos nos fala em tom intensamente poético: “Passado o sábado (entenda-se, o último dia)… no primeiro dia da semana, de madrugada, elas (as mulheres) foram ao túmulo ao nascer do sol” (Mc 16, 1-2.5). Jesus, como sol que se levanta, rompe as trevas da madrugada e inaugura o primeiro dia do novo tempo, e de repente se faz ver no jeito de um jovem, “sentado à direita” (do Pai), luminosamente vestido de branco, a cor de todas as cores, de acordo com o famoso “disco de Newton”, a cor da luz.

A partir d’Ele, “como primícia dentre os mortos”, diz-nos São Mateus , a ressurreição começa a ser possível (cf. Mt 27, 51-53), a utopia proclamada pelo profeta Ezequiel (cf. cap. 37) começa a fazer-se realidade: ossos secos, espalhados por interminável vale deserto, se erguem “como inumerável exército do Senhor”, exército que é o povo reanimado de sua depressão e desespero, levantado do chão por um Vento divino capaz de arrancar da morte e de pôr de pé multidões. Por isso, São Lucas faz o mensageiro perguntar às mulheres: “Por que buscais entre os mortos Aquele que vive?”  (Lc 24, 5), que deixa a entender onde devemos procurá-Lo, entre os vivos.

É o que nos mostra na caminhada dos discípulos, possivelmente um casal, de Emaús, na tarde do domingo de Páscoa (Lc 24). Na caminhada de nossas dores, incertezas e frustrações, Jesus está presente, caminhante conosco. Deixa-se convidar a entrar em casa disfarçado de peregrino, ainda desconhecido e estranho, faz-nos retomar as lições antigas das Escrituras e, finalmente, na vida em comunidade, onde se repartem afeto, dons e bens, comida e bebida à mesma mesa, “revela-se presente entre nós no repartir do pão” (cf. Lc  24, 13-35).

Páscoa é esta descoberta: Ele se revela no partir do pão. Como se clama belamente numa de nossas liturgias eucarísticas anglicanas: “Ó, Senhor Ressuscitado, revela-Te no partir do pão!” Não necessariamente em nossos gestos religiosos e piedosos, mas seguramente em nossos gestos de amor “feito carne” em pão, bebida, vestimenta, saúde, libertação do cárcere, da cegueira, da paralisia, da injustiça, da opressão (Mt  25, 31-46).

“Quem ama conhece a Deus, quem é da justiça nasceu de Deus”, diz-nos São João em sua primeira carta. O caminho, a direção estão a nossa frente. “Já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos e irmãs”. “Não há outro nome no qual possamos achar salvação”, o nome de Jesus é “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14, 6), isto é, com Sua vida o caminho da Vida está dado: só a vida em comunidade salva, o individualismo é desvio para a solidão do sepulcro, é morte, mesmo que ainda tenhamos alguma aparência de viver. A Comunhão Anglicana traduz vida comunitária em cinco palavras que são como chave para a caminhada da Igreja e para a espiritualidade pessoal e comunitária: Dignidade, quando a pessoa descobre que em Cristo é livre, é nova criatura, já não se deve deixar subjugar por ninguém; Solidariedade que se manifesta no serviço de amor a quem está em necessidade; luta pela Justiça para transformar as estruturas injustas da sociedade; compaixão e Cuidado para com todos os seres da criação para que a vida seja salva e renovada na terra… assim será possível estabelecer a Paz, mais outro nome de Deus na Bíblia, “Xalôm”, plena felicidade, desde o pão até a alegria de viver sem medo.

Para isto é que fomos batizados(as) em Cristo, sepultados(as) em Sua morte, abandonando no sepulcro nosso “corpo de morte”, o ser humano da vida antiga já passada, para viver como novas criaturas. Viver num novo mundo, de novos valores e de novas relações, criar o céu e já sentir-nos  “assentados(as) nele”.

Páscoa é anúncio de que a utopia da vida comunitária é possível, o amor é possível e tem força para nos reunir num só Corpo, pelo Espírito que sopra e poderosamente levanta do chão nossos ossos secos, fazendo nascer em nós a coragem de lutar por “novo mundo, possível, necessário e urgente”, reinado de Deus entre nós.

“Verdadeiramente o Senhor ressuscitou. Aleluia”. Feliz e santa Páscoa!
Caruaru, 27 de Março de 2016

Obs: Imagem enviada pelo autor.
Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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