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Sempre é hora de mudar, enquanto houver tempo. Embora pareça, a afirmação não é redundante, se pensarmos que poderá chegar um tempo em que certas mudanças já não serão possíveis porque será tarde demais. Logo, enquanto houver tempo, e há, não só é bom realizar determinadas mudanças, como também é imperativo fazê-las. Em se tratando de cuidado com a “casa comum”, é mesmo um dever. Sempre é oportuno refletir acerca do “lixo” que produzimos, e ainda mais agora por ocasião da semana do meio ambiente, da audiência pública sobre o tema e da situação ambiental em que nos encontramos.
Creio que o ponto de partida para a análise do referido assunto e para necessárias mudanças em torno dele esteja no próprio conceito que utilizamos. Caracterizar os descartes que fazemos no dia-a-dia como “lixo” – porquanto o coloquei entre aspas – é impróprio. A rigor, lixo é o que não tem mais utilidade. Na verdade, quase tudo o que descartamos de nossos usos pode ser reutilizado em outras circunstâncias, reciclado, compostado etc. Além disso, o debate precisa considerar o sistema sob o qual estamos vivendo, diante do que profundas transformações são imprescindíveis.
Sob o império do capitalismo de mercado, somos marcados com o “selo” de consumidores. Como tal, colecionamos múltiplos e sérios problemas tanto durante o pré-consumo como no consumo e no pós-consumo. No pré-consumo temos, por exemplo, o uso desmedido de agrotóxicos, as monoculturas que destroem a biodiversidade e provocam alterações no clima, o trabalho escravo, o transporte poluente e congestionante das rodovias, o desmatamento…
No ato do consumo também verificamos graves problemas, a começar pelo próprio consumismo, pressuposto do mercado, segundo o qual um ser humano só pode ser feliz se conseguir consumir. Enquanto uns consomem, poluem e dizem que pagam a conta, a grande maioria só pode consumir muito aquém do direito e da necessidade. Desse modo, se mantém a histórica desigualdade social. No instante do consumo também existe a falta de soberania e de segurança alimentar, entre outras questões preocupantes.
Muitos são os problemas do pós-consumo, tais como a falta de coleta seletiva na absoluta maioria dos municípios, a carência de políticas públicas e infra-estrutura adequada para o tratamento dos resíduos, a exclusão dos catadores do direito ao trabalho digno e aos benefícios da reciclagem etc. Atualmente temos, no Brasil, em torno de 800 mil catadores trabalhando nas ruas e nos lixões. Ainda há 70% dos resíduos jogados de modo inadequado em lixões a céu aberto. O chorrume saído deles muitas vezes acaba poluindo rios e mananciais.
O maior problema do consumismo e da degradação do ambiente é que todos nós estamos no meio dele, do qual dependemos para viver. Por isso é importante não só criar ações pontuais e projetos alternativos, mas, principalmente alternativas de projeto, o que implica pensar a relação humana com o meio de uma forma mais ampla. É fundamental repensar todo o processo: estimular a produção orgânica, familiar e sustentável; incentivar a economia popular solidária; promover o consumo ético e consciente, efetuar a reciclagem, o reaproveitamento e a compostagem, entre tantas outras medidas possíveis e necessárias.
É preciso pensar outro modelo de desenvolvimento capaz de garantir a vida, com justiça e dignidade para todos. Para tanto, existem ações que são de responsabilidade do cidadão – dos chamados consumidores –, outras que cabem ao Estado (poder público) e outras ainda às empresas. Todos têm de fazer a sua parte para evitar que o meio seja consumido de vez. E mais: para que as circunstâncias sejam favoráveis à sobrevivência dos que virão depois de nós! Num segundo tempo de minha reflexão, pretendo apresentar algumas ideias propositivas acerca da mudança cultural que, no meu entendimento, poderiam nos ajudar a ver o “lixo” com outros olhos tanto na pré-coleta, quanto no que tange à coleta e à pós-coleta. (01.06.2011)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.