teóloga, professora do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Quando o Pe. Javier Giraldo, homem magro, sereno, tranquilo e de ideias claras fala da tragédia que acompanha há mais de 30 anos, o auditório estremece, em silêncio.
Desde meados dos anos 90 ele vem assumindo e compartilhando a sorte de várias famílias, a maioria parentes e amigos de 342 vítimas dos narcotraficantes da zona de Trujillo, na Colômbia. Agricultores expropriados de tudo que possuíam ou ameaçados de espoliação e morte em meio à guerra entre paramilitares e guerreiros passaram a ter na voz calma e firme do sacerdote seu único apoio.
Ancorados neste apoio, resistiram à força bruta que queria expulsá-los de suas terras e moradia. Constituíram um grupo neutro, ao qual chamaram Comunidade de Paz e anunciaram sua decisão num domingo de Ramos, em 1997. Não esperavam que a reação do Exército fosse tão brutal. Os mortos e os desabrigados se multiplicavam.
Pe. Giraldo e outros três religiosos decidiram ficar em meio ao conflito, fosse qual fosse seu desdobramento. Ajudaram os agricultores e identificar os assassinos e os denunciaram. Há vários que hoje respondem a processo e aguardam sentença.
A represália não se fez esperar. Pe. Giraldo foi ameaçado de morte muitas vezes. Em meio à sua corajosa e inquebrantável solidariedade com as vítimas da absurda guerra que se instalou naquela parte do país, o cerco aperta ao seu redor e a morte violenta vai se tornando uma possibilidade sempre mais próxima e provável.
Recentemente, as ameaças recrudesceram. O ministro do Interior e da Justiça da Colômbia, Fabio Valencia, ofereceu-lhe custódia dentro do Programa de Proteção dos Direitos Humanos. O jesuíta polidamente recusou em carta sucinta e respeitosa. Com impressionante coerência explicou que não encontra qualquer lógica em “ser protegido pelas mesmas instituições que perpetraram violações graves dos direitos humanos”, assim como o fato de considerar que as vítimas “correm muitíssimos mais riscos do que eu, e por isso eu não me sentiria tranquilo se eu sou protegido, e não elas, que são o motivo real dos meus riscos”.
A coragem serena e edificante do Pe. Giraldo encontra sua raiz e sustento em espaço diferente daquele onde normalmente se apoiam as seguranças humanas. Após uma conferência durante a qual descrevera a situação do povo e a total falta de perspectiva de reversão a médio e longo prazos, foi acusado de deixar as pessoas sem esperança.
Isto o levou a reelaborar sua concepção de esperança. Ela não se assenta sobre os dois suportes habituais que a fazem subsistir: o êxito e a recompensa. Segundo Pe. Giraldo, tais situações não se coadunam com o Evangelho. A verdadeira esperança é a que emerge do fracasso.
Pe. Giraldo aprendeu isso com os agricultores, que a cada massacre sofrido tornam-se mais firmes em sua luta. E também, evidentemente, com o Evangelho. A esperança cristã é filha não de um sucesso, mas de um retumbante fracasso: a morte de Jesus de Nazaré, sobre quem repousavam as expectativas messiânicas de um povo oprimido e sofredor.
Sua Ressurreição foi a palavra definitiva que permitiu superar esse fracasso com o sentimento de que por pior que seja a situação vivida, Deus é maior do que ela e faz brotar a vida ali onde só há morte e impossibilidade.
Por isso, Pe. Giraldo não tem medo da morte. Por isso igualmente mata de medo seus perseguidores, que não cessam de brandir sobre ele ameaças que só reforçam sua fé e seu compromisso com o povo ao qual é solidário de maneira irreversível.
Maria Clara Bingemer é autora de “Jesus Cristo, servo de Deus e Messias glorioso”, (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/
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