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Esse texto não fala de nada, ou de tudo pode falar. Vai do olhar. Pois, com sonho não se brinca, ou pode-se brincar? Depende de que sonho você tiver, disse-me Cornélio. Mas, pergunto eu: poderei sonhar à vontade, estando acordado? E terei liberdade de falar de tal assunto sem que seja mal interpretado pelos calculistas, economistas, cientistas, ecologistas, espiritualistas e outros tantos “istas” que se vão a perder de vista?
Sem sonho não se vai a lugar nenhum, embora só com ele a nenhum lugar se vai. Então, vamos combinar. Fica livre para sonhar e livre também para se expressar. Vale aqui e em qualquer circunstância o raciocínio embebido de poesia, pois com ela, ele parece ir mais longe, embora por perto se queira ficar. E o legado de Raul Seixas ainda está com prazo de validade: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”.
O sonho é o resultado da associação de ideias, argumentou meu amigo João. Além disso, creio que os sonhos resultam da coligação das ideias com os desejos e com as necessidades. Entretanto, a que se dará prioridade nesse mundo da complexidade? Poderá Edgar Morin nos ajudar a religar os saberes, os sonhos, as lutas e os valores? De longe, escreveu o velho amigo Dirk dizendo que sonho também é esperança. Quem não sonha não alimenta a esperança, fica estagnado e morre. Lembrou o grande sonho de Jesus Cristo, resumido no amor doação e na vida em abundância para todos.
Se sonharmos mais, teremos mais expectativas e mais desejo de conquistas? Em não se materializando nossos sonhos, aumentarão as chances de frustração, derrota e desolação. Ou não? Se sonharmos menos, as expectativas serão menores, como menores serão nossas chances de realização. Será que serão? E quem sonha menos será menos feliz do que quem sonha mais? A propósito, hoje a felicidade é vendida como mercadoria ou negada como tantos outros direitos. Porém, a felicidade não está no mercado, tampouco no íntimo narcisista dos viventes.
Entre tantos sonhos que são sonhados por nós humanos estão o de obter sucesso nos estudos, nos negócios, no amor, na saúde… Alcançar níveis mais elevados de satisfação, de paz, de segurança etc. Entremeados a esses sonhos também buscamos um mundo melhor para todos, embora nem todos o busquem efetivamente. Dos sonhos à realidade – sim é verdade – há muitas vezes obstáculos gigantescos. Porém, que nos faria caminhar se não tivéssemos nossos olhos mirando o horizonte?
No meio do caminho, é claro, pode haver inúmeras pedras. Em última análise, perturbam a trajetória das nossas decisões e dificultam nosso percurso. Ocorre, inclusive, o que nos diz o escritor francês André Gide: “Há quem gostaria de melhorar os homens e quem estime que isso poderia acontecer melhorando antes as condições de vida. Mas, rapidamente se vê que uma coisa não anda sem a outra e não se sabe por onde começar”.
Em 1948 e em 1976 as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos. Contudo, a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar. Diante de tal cenário, Eduardo Galeano escreveu: “Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível”.
Pretendendo o sonho em realidade, entre outras belas coisas, ele diz: “O ar estará livre de todo o veneno que não vier dos medos humanos e das humanas paixões; as pessoas trabalharão para viver em vez de viver para trabalhar; os políticos não acreditarão que os pobres gostam de comer promessas; o mundo já não estará em guerra contra os pobres, mas contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro remédio senão declarar-se em falência; a comida não será uma mercadoria e nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos”.
Depois acrescenta: “Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão; os meninos de rua não serão tratados como lixo, porque não haverá meninos de rua; a educação não será privilégio de quem possa pagá-la; serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; neste mundo confuso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro”.
Todo mundo tem o seu sonho. Martin Luther King também o tinha. Por esses dias, na euforia da eleição de Barack Obama, ele foi relembrado. Luther King dizia: “Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”.
De quando em vez, é importante a gente se perguntar: qual o meu sonho? É melhor sonhar mais ou sonhar menos? No meio do emaranhado e da confusão, qual será a solução: sonhar pouco ou sonhar bastante? Diga-se o que se disser, ainda prefiro pensar com o célebre professor de medicina e escritor francês Marcel Proust: “Se sonhar um pouco é perigoso, a solução para isso não é sonhar menos – é sonhar mais”. (29.10.2012)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.