(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio)
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Temos medo de muitas coisas hoje em dia: da violência, do trânsito, da insegurança do amanhã, de quanto vai ser a conta da luz no fim do mês, de quantos mais impostos o governo vai inventar para assaltar nosso bolso etc. Por trás de todos esses medos, existe algo maior, mais forte, mais poderoso que nós. Por isso, nos parece um tanto estranho que nesses tempos mais recentes nosso maior receio seja de um pequeno mosquito.
Pois é verdade, sem tirar nem por: um mosquito. Pequeno, com asas e ferrão afiado. Com essas pequenas armas ele está tirando o nosso sossego e nos fazendo enfrentar uma epidemia nos moldes daquelas que já acreditávamos desterradas pelos progressos da medicina e da imunização. Nosso inimigo tem um nome latino que soa sofisticado: Aedes Aegypti. E com seu zumbido e suas mordidas está tirando o sono dos brasileiros.
O Brasil está enfrentando uma epidemia de zika, doença aparentada com a dengue, já nossa velha conhecida. Os sintomas são parecidos, porém mais brandos do que os da dengue: febre, dor de cabeça, dor no corpo e nas juntas, coceira e manchas avermelhadas espalhadas pelo corpo.
O mais assustador é o Ministério da Saúde ter confirmado que este vírus transmitido pelo mosquito está estreitamente relacionado com a microcefalia, uma doença que pode atingir o feto, fazendo com que a criança nasça com o perímetro cefálico menor que o convencional, que é de 33 centímetros. O bebê pode morrer ou apresentar diversas sequelas graves no seu desenvolvimento: dificuldade de visão, de audição e retardo mental.
A região do país mais afetada pelo surto de microcefalia é o Nordeste. O alerta foi dado nos hospitais e maternidades de Pernambuco e do Ceará. Desde então, o zika alastrou-se como um rastilho de pólvora que ateou fogo rapidamente por onde passava. Hoje, milhares de casos suspeitos da doença são investigados.
O pânico é maior entre as grávidas. As autoridades sanitárias não poupam conselhos, advertências, orientações às gestantes ou às mulheres que desejam ter filhos. Chegam a sugerir que elas adiem este projeto e esperem a epidemia ser controlada. E fazem recomendações óbvias, como a importância de se submeterem a todos os exames habituais, além do acompanhamento pré-natal. Como se isso não fosse recomendável em qualquer gravidez, mesmo a mais saudável.
Como em toda crise – e essa indubitavelmente entra nessa categoria – os problemas éticos e morais começam a emergir. Discute-se a pertinência ou não de interromper a gravidez quando acontece a doença; levanta-se a hipótese de que ser contra o aborto é punir os pobres por não terem recursos para tal.
O que me surpreende é que o foco das discussões e debates esteja tão distanciado daquilo que deveria ser o centro das preocupações de todos: o combate ao mosquito.
Com todas essas notícias apavorantes veiculadas exaustivamente pelos meios de comunicação, ainda se descuida da água parada, local ideal para a proliferação do mosquito, dos focos onde as larvas se reproduzem e se desenvolvem.
Por outro lado, constata-se o despreparo não apenas sanitário, mas também ético e moral para lidar com as situações que o mosquito provoca. Instituições de saúde que dedicam atenção exclusiva a pessoas com lesão cerebral ou problemas dela oriundos estão preocupadas com a epidemia. A lesão cerebral pode acontecer associada à microcefalia. Portanto, o crescimento da epidemia representaria um aumento exponencial dos casos a serem atendidos.
E além das dificuldades financeiras para a manutenção, essas instituições enfrentam outros problemas, como o abandono do doente pela família. Muitos pequenos pacientes com lesões cerebrais são abandonados após a internação.
O medo não é só do mosquito, mas das marcas que ele deixa sobre as pessoas. E numa sociedade como a nossa, que só valoriza a eugenia e o sucesso, a presença no seio da família de uma criança com dificuldades sérias para mover-se, aprender a comunicar-se é um estorvo do qual desviamos os olhos.
Pensamos que estamos conquistando os últimos limites da ciência e, no entanto, sentimo-nos ameaçados por um simples mosquito. Pisamos na lua e queremos ir a Marte, mas não sabemos entrar na terra sagrada da compaixão para acolher um ser vulnerável e desvalido em nosso próprio meio.
Combater o mosquito é necessário. Mas talvez mais ainda seja combater nosso egoísmo e nossos demônios interiores. Pois atrás do mosquito vem gente. E gente não se fumiga, nem se afasta com repelente. Gente se acolhe, se trata, se cuida. Que o zika, que ameaça atrofiar cérebros e cujo combate já mostramos incompetência não atrofie nosso coração!
Obs: A teóloga é autora de Teologia e literatura – Afinidades e segredos compartilhados (Ed. Vozes)
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