A necessidade de sempre renovar e ampliar
Na luta social, a pedra que não para, não cria limo e cobra que não anda, não engole sapo. É preciso ser consistente, senão morre; é preciso crescer, senão morre também. Zelar pela continuidade de uma experiência é tarefa de cada geração. Mas, respostas necessárias em um tempo, podem virar atrapalho, no futuro. É preciso ceder lugar às novas gerações.
1. Ceder não é a atitude bondosa de alguém que dá uma colher de chá para os novos. Nem é cansaço ou desilusão diante da história. Ceder é reconhecer uma exigência da vida. O orgulho de nossa contribuição deve cuidar da continuidade dessa causa ao confiar no novo vigor e sua capacidade de repostas adequadas a esse tempo sempre novo.
2. Parecia uma vantagem repetir não tive tempo de ficar velho. Até o dia em que uma jovem elegante me ofereceu o assento, no ônibus urbano. Só então, notei que o tempo tinha passado. Para piorar, eu ainda disse não precisa! Era o sinal da caduquice que “só Carolina não via”. Consciente ou não, era uma forma de eternizar a própria contribuição.
3. Entendi que não ter tempo de envelhecer pode ser uma grande entrega, a ponto de não se preocupar consigo mesmo, ou pode significar descuido irresponsável com o futuro de uma grande iniciativa. Quando a procura reafirma que o show deve continuar porque é relevante, é preciso preparar gente nova capaz de seguir tocando em frente.
4. Ceder ao novo é pensar em si mesmo. Só noutro lugar e noutro ritmo, velhos educadores farão coisas novas e criativas. Se lhes sobra vontade e astúcia, lhes falta agilidade física e mental. Sua miopia só vê perto e os leva a repetir-se e a usar a autoridade; já não sabem e já não guardam a paciência para criar respostas significativas para hoje.
5. Ceder ao novo é uma convicção; uma decisão que aposta na juventude, como força, disposição, ousadia. É deixar para o novo a superação de desafios que são seus. Cada pessoa é insubstituível; o ideal que sempre nos acalentou e que renascerá em outros corações. Mas, os caminhos dessa causa terão rosto, jeito e sabor que dialogam, hoje.
6. Ceder é selecionar pessoas aplicando critérios: condições físicas, psicológicas, ideológicas, herança histórica, habilidade, gosto pessoal, esforço individual de capacitação… Tais qualidades devem ser treinadas, mas só o teste da prática é que garante a melhor preparação. Lançado na água é que se aprende a nadar, de fato.
7. Ceder é fazer a transição, responsabilidade da geração anterior. É acompanhamento para que a gente nova apreenda o essencial, bem além da imitação inicial: fé na vida, fé no povo, fé no que virá, companheirismo, ser equipe sendo única …. É também podar para prevenir contra a incoerência, arrogância, amadorismo, paternalismos…
Atitudes e hábitos se tornam parte de nossa natureza. Por isso, é difícil desnudar-se, nascer de novo, cortar o cordão umbilical, confiar na juventude seguinte. Mas, a única forma de viver é não ficar na saudade; é mudar, alegar-se por ter feito o bom combate, projetar-se nos filhos e filhas que nos sucedem, que renovam e ampliam os valores que nos moveram.