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Nos meus tempos de menino considerávamos tempo de Natal todo o tempo entre vésperas de Natal e 20 de janeiro (Dia de São Sebastião). Daí que suponho seja oportuno ainda estar imbuído do espírito de Natal para escrever um texto de jornal que se publica no princípio de janeiro.
Vejo com simpatia os gestos de fraternidade inspirados pela comemoração do Natal e chegada do Ano Novo. Se resultam de um espírito puro, de uma volta para o próximo, de uma germinação de boa vontade, esses gestos fraternos merecem reverência.
São gestos que se situam num curto espaço de tempo, ou apenas num só dia do calendário como, por exemplo, a chamada para um “Natal sem fome”?
Sem dúvida que sim.
Mas esses gestos podem levar as pessoas e grupos que os praticam a uma reflexão mais profunda.
Que significa o presépio de Jesus?
Que pede a todos nós aquela manjedoura?
É compatível com o testamento cristão um mundo de exclusões, uma sociedade dilacerada entre os que têm tudo e os que nada têm?
Esse presépio não nos convoca a mudar tudo de lugar?
Essa manjedoura não nos pede a coragem de subverter para ordenar?
Ordem, na perspectiva desse presépio, não é as coisas estarem onde devem estar, todos os seres humanos convidados para a mesa, o trabalho, o crescimento espiritual, a esperança, a vida?
Como podemos instituir no mundo a ordem, que a estrela de Belém reclama, sem quebrar as estruturas da desordem, estruturas que dividem os humanos entre “seres” e “não-seres”?
Podemos deixar de nos escandalizar em face das multidões sem casa, sem saneamento básico, grávidas sem proteção, crianças fora da escola, crianças de rua que a nossa hipocrisia chama de pivetes?
Podemos tranqüilamente nos desinteressarmos de ler, de pensar, de discutir nos nossos grupos, nos sindicatos, nas associações, nas igrejas as causas de tanta injustiça?
Podemos limitar nossas preocupações aos muros de nossa casa e ainda assim nos declararmos cristãos?
Podemos dar as costas para a política, como se a política tivesse de ser, por destinação, uma coisa feia? Ou ao contrário temos de compreender que a política rege nossa vida, mantém os mecanismos de opressão ou elimina esses mecanismos?
Parece que a reflexão correta nos conduz a compreender que todos somos “animais políticos”, como já na velha Grécia dizia Aristóteles.
Jesus Cristo não pregou sozinho seu Evangelho. Chamou doze apóstolos para a Missão. E estes multiplicaram-se para semear a Boa Nova. Também nós temos de compreender que não podemos mudar a rota do mundo na solidão do esforço isolado. Unir, reunir, formar grupos, instâncias de atuação social, movimentos populares, caminhar em bloco, pressionar, exigir, sonhar o sonho impossível que a crença torna sonho real: este é o trajeto que divisamos como capaz de edificar a morada dos homens.
Natal é denúncia da exclusão. Natal é apelo à inclusão. Não importa se construir esse universo de incluídos é tarefa de grande monta e exige muita luta. O importante é saber a direção. A estrela de Belém nos guia.
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), palestrante, professor e escritor.
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