PARTE I – CEARÁ
1. Cheguei a Fortaleza às 20:30h do dia 09. Esperavam-me Ivan e Bosco. João Bosco Júnior é ministro encarregado da nossa comunidade em Russas a mais ou menos duas horas da capital. Ivan Monteiro é um leigo, advogado, católico romano, muito próximo de nós, que se dispõe a colaborar em atitude ecumênica para a implantação da Igreja no Ceará.
2. No sábado, dia 1º, chegou o Rev. Ariel Montero e juntou-se a nós Antônio Terto, ministro pastoral encarregado do P.M. Mandacaru, em Caucaia, cidade de área metropolitana de Fortaleza. Tivemos um dia de estudo, dentro da programação que havia sido estabelecida pelo Centro de Estudos Teológicos Diocesano-Nordeste (CETED). O tema abordado com a assessoria do Rev. Ariel foi “Aconselhamento Pastoral”. Em duas ocasiões anteriores, a informação e a reflexão giraram em torno dos traços básicos da Eclesiologia Anglicana. Num próximo encontro, serão abordados os cânones gerais e Diocesanos, e as estruturas de organização da Igreja. Houve uma positiva combinação entre exposição do assessor, participação ativa das pessoas e entrega de subsídios escritos.
3. No domingo, dia 11, fui procurado por duas pessoas interessadas por conversar sobre Anglicanismo e nossa Diocese. Um jovem, de comunidade protestante, universitário, estudante de teologia, desejoso de conhecer mais sobre Anglicanismo e suas relações com o Catolicismo Romano e o Protestantismo. Um senhor de meia idade, desejando saber quais os caminhos de aproximação para tornar-se membro da Igreja. Este, católico romano com breve passagem por uma Igreja Ortodoxa. Como é membro ativo, já por muitos anos, da famosa organização dos “Trapeiros de Emaús”, teve prazer em levar-me a conhecer as instalações da sede. “Trapeiros de Emaús”, que tem sede também no Recife e está difundida em muitos países do mundo, é fundação de um padre católico romano francês, o famoso Abbé Pierre, muito amigo de Dom Helder Camara, cuja intuição foi incentivar a formação de grupos para trabalhar com quem mais necessite, os mais pobres dentre os pobres. Trabalha-se muito com a venda de material reciclado, com cursos e oficinas de capacitação técnica, sempre na perspectiva de resgate da cidadania.
4. À noite, fomos, todo o grupo, a Caucaia para celebrar a Santa Eucaristia. Caucaia ainda é uma pequena congregação em formação. Até agora só tínhamos um anglicano confirmado, o próprio Ministro Pastoral Antônio Terto que há alguns anos tem vivido na comunidade e com paciência e perseverança tem tentado reunir pessoas. A marca do trabalho tem sido o que chamam de “Ação Solidária”, um belíssimo projeto social, com capacidade de envolver muita gente, de diferentes tradições religiosas, e cuja intuição fundamental é “pobre ajudando pobre”. Teo e Tércia, casal leigo, têm sido animadores do movimento de maneira particular. Tudo acontece pelo envolvimento e participação das pessoas que se unem para descobrir quem precisa e quem pode ajudar. Formam-se grupos em torno de pessoas com necessidades específicas (sem teto, doentes graves, pessoas com deficiência, cadeirantes, pessoas abandonadas pela ignorância de seus direitos quanto à Assistência Social, etc). Quem passa necessidade é chamado de “pessoa motivadora” pois é quem motiva outras a se mexer. O método é a participação, mediante a oferta dos próprios talentos, do tempo, das visitas, de doações materiais, e a articulação com a Associação de Moradores e o controle da sociedade civil sobre os poderes públicos. A perspectiva é unir os pobres em vista de resgatar sua cidadania. Esse é o chão sobre o qual, aos poucos, pessoas vão descobrindo o rosto da Igreja. Já há algumas poucas pessoas que se sentem anglicanas. E essas têm começado a reunir-se semanalmente para a oração comunitária. Em setembro iniciaremos a construção do templo que funcionará também como salão de atividades comunitárias, reservando-se um espaço para pequena capela que será um lugar permanentemente destinado à oração e ao recolhimento, sinal da presença de Deus em meio ao sofrimento de seu povo, sinal da presença de Jesus, pobre entre pobres, como São Francisco lembrava com tanta força por sua palavra e sobretudo por seu testemunho. Durante a celebração foram recebidas na comunhão da Igreja Jucilene, esposa de Antônio Terto, e Francisca.
5. Por ocasião da celebração, nossa gente de Caucaia acolheu João Bosco Júnior, de Russas, acompanhado da noiva Vanessa. É um jovem funcionário publico e estudante universitário na área de História. Como mencionado, Bosco tem sido o ministro encarregado do P.M. São Francisco de Assis. Chegou à Igreja há três anos, já ordenado diácono em outra Igreja, e trazendo consigo o núcleo da congregação que o rodeia. Nesse período vem fazendo o caminho de aproximação à IEAB. Durante a celebração eucarística, cumprimos os ritos prescritos, invocamos o Espírito Santo para que confirmasse seu ministério e declaramos oficialmente reconhecida a ordem de diácono. Agora, possa a integrar o clero da Diocese. Prossegue no cumprimento das exigências canônicas quanto aos estudos teológicos em vista da ordenação presbiteral.
6. Finalmente, na 2ª feira, dia 12, fomos a Russas, Júnior (Bosco), Vanessa e eu. Viagem de três horas de ônibus, tempo que passou rápido, com parades “turísticas” em estações do caminho. Mais uma vez, fui hospedado na “Pousada Imperial”, na avenida principal da cidade, bem perto da praça da imponente igreja matriz. “Imperial”… um jeito de os pobres recobrirem sua condição de simplicidade, de gente do interior, sem os costumes sofisticados de cidade, e que, ao mesmo tempo, revela forte sentimento de dignidade. De repente, vieram-me à imaginação as suntuosas e elegantes escolas de samba do Rio, quando pobres transfiguram sua condição quotidiana e levantam-se da Baixada e se fazem “visíveis” – espetáculo – ao descer do morro revestidos de príncipes e princesas, reis e rainhas, imperiais… À noite, celebramos com nossa gente, cerca de cinquenta pessoas de várias idades. Aí a Igreja já tem alguns membros confirmados e muito mais simpatizantes e assíduos frequentadores das atividades comuns, e um grupinho de crianças que são um encanto, que logo perguntam por “dona Madalena”. Duas meninas chegaram felizes trazendo no braço as vestes de acólitas, um sorriso só. Fico sempre a cobrar a dança que me prometeram para a liturgia e que, por enquanto, fica transferida para a próxima visita… tarefa especialmente para Vanessa. Mais uma pessoa se decidiu pela Igreja, seu Joaquim. Foi confirmado, respondia com convicção às perguntas do Bispo, perguntas e respostas formuladas em versão “na linguagem de hoje”. Estavam presentes suas filhas e a mãezinha, com mais de 80 anos, pele nos ossos, em cadeira de rodas, contrita e participante, tão atenta à pregação a ponto de se antecipar e responder a uma pergunta que eu fizera à assembléia. Parecia alegre e transmitia paz. Que maravilha!
Antes do culto, conversei com seu Joaquim. Homem na faixa dos 50 anos. Camponês que, agora, ali na Lagoa do Toco, se tornara pequeno comerciante. “Dá para se viver”, dizia-me. Pareceu-me de bem com a vida. Dessas pessoas que não aprendem pelas letras, mas pela escrita da vida, pelo que a cadeia dos dias vai gravando na própria carne da gente. Reunimo-nos no largo terraço da casa de Chico, vizinho do terreno da igreja, generosamente doado por dona Santa e suas filhas. O templo está em construção, feita com esmero, sólida, “casa de rico” com tijolo deitado e colunas de cimento armado, na expectativa de futuro primeiro andar. Lugar bonito, bem em frente à lagoa. Seu Joaquim foi quem me mostrou terreno e as paredes já quase da minha altura, e me falou da animação do povo, das campanhas que se têm feito e de doações recebidas. Revelou de maneira muito espontânea seu sentimento e me fez feliz por perceber como a Igreja viva está sendo edificada ali. Na conversa, deixou escapar: “… pois é, nós que participa aqui…” Tudo se concluiu com uma gostosa sopa comunitária.
Na manhã seguinte, dia 13, com o despertar às 4:30h e depois de duas horas e meia de agradável trajeto, de novo com a empresa São Benedito, Ivar me conduziu ao aeroporto, quando tivemos nosso último batepapo e voei em direção a S. Luis.
* Bispo da Diocese Anglicana do Recife – DAR
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Obs: A Parte II será postada no próximo dia 21.