Dezembro é o mais chato dos meses. Talvez por ser o último do ano, funciona como uma viagem de férias ou uma trilha na mata: a volta parece sempre levar mais tempo do que a ida. Ficamos ansiosos para chegar não apenas ao fim, mas sobretudo ao enfim. Mas, dezembro também é um mês de verdades e questionamentos.
É quando indagamos, por exemplo, para que diachos serve o 13º salário? Tudo fica mais caro, mais difícil, as filas são maiores, os bares mais lotados e todos cobram presentes. A quantidade de caixinhas-de-natal espalhadas pela cidade é absurda. Para onde batemos o olho, tem caixinha-de-natal olhando para a gente.
Quando eu era guri, ficava esperando sair o 13º dos progenitores para pedir um presente bem caro – pois é, para quem ainda duvida, eu tive infância, sim. Só que o advento do 13º era quando as pessoas zeravam as dívidas acumuladas durante o ano. Sobravam apenas umas migalhas para comprar o galetinho atropelado que, na ceia de natal, a gente apelidava carinhosamente de peru. Hoje, o 13º serve para criar dívidas antes inexistentes, a ser pagas sabe-se lá quando. Quer dizer, o Serasa e o SPC sabem.
Agora, até barraca tem caixinha de natal. Nos pega-bêbo do almoço, também tem. Na portaria do edifício, idem. Inclusive, nos edifícios onde nem moramos mais, o povo liga para “lembrar” da caixinha, sob pretexto de que nunca mais passamos lá para dar um alô.
Na hora de receber o troco em restaurantes e lanchonetes, se você não colocar ao menos umas moedinhas, todos ficam olhando com aquela cara de quem vai passar o resto da semana rezando para você queimar no fogo dos infernos. Colocaram uma até no botequim onde tomo café da manhã e todo dia ficam com aquela cara de vira-lata pidão. Acho que vou fazer uma caixinha para mim. E pendurar no pescoço.
Em outro botequim matinal, quando alguém coloca qualquer moeda na caixa de natal, o funcionário mais próximo grita “caixinha!!!”. É o código para avisar os outros funcionários. Em uma fração de milissegundos, todos eles param as atividades, correm para perto do cliente bondoso, amontoam-se lado a lado e gritam em uníssono: ‘muito obrigado e um feliz natal para você e toda sua família!’
A vontade é de retribuir o gesto, em tom de voz equivalente, dizendo que meu dia será péssimo porque recebi o aviso prévio ontem e que toda minha família morreu em um acidente de carro na noite de natal.
Ao presenciar a cena grotesca do “caixinha!!!”, não é difícil calcular o efeito ação/reação e se sentir em um universo paralelo onde todos os homens são fiéis, todas as mulheres são normais e todas as crianças são felizes. Dei meia volta, saí do lugar e fui comer uma coxinha-de-aquário na esquina – que, por sinal, deu uma baita dor de barriga na hora do almoço. Vai ver foi castigo dos céus, porque minha H. Pylori incubada ficou queimando que nem o fogo dos infernos.
SOCIABILIDADES EFÊMERAS —
O número de confraternizações é outro problema. Antigamente, as confrarias de fim de ano eram todas boca-livre e entrava-se sem convite, na cara dura. Hoje, muitas vezes é preciso pagar o consumo individual e ninguém quer fazer confraternização em botequim. Só chamam para lugares chiques, caros, cheios de patricinhas ultra-maquiadas e com saltos estelares, e mauricinhos com camisa dentro da calça e chave do carro pendurada no cinto. (pior é que as mulheres adoram, é incrível…)
Como desgraça pouca é bobagem, tem o tal de amigo secreto, uma invenção meio ridícula e sem finalidade definida, mas que virou moda e leva outra fatia do suado décimo-terceiro. Ridícula porque para beber não precisa de pretexto, onde já se viu? E sem finalidade definida porque ninguém vai ficar amigo de ninguém apenas por ter tido o azar de tirar o nome de uma criatura semi-desconhecida num papelzinho.
O excesso de confraternizações também nos leva a outro questionamento importante: será que as pessoas trabalham de verdade em dezembro?
Tiro por mim que sou anti-social, não sou de coleguismo típico, chego mudo e saio calado no trabalho e, mesmo assim, aparece confraternização quase de segunda a segunda. Chegando de ressaca quase todo dia no batente, está ficando cada vez mais difícil convencer a chefia de que tenho ficado acordado até altas madrugadas pensando em novos projetos. Ou melhor, novas pautas bombásticas.
NOVESFORA –
Abramos um parênteses. Pela primeira vez em vários anos, vou participar de um amigo secreto cuja finalidade é cientificamente válida. O nível do presente foi restrito pela ‘diretoria’ e precisa ser uma garrafa de bebida, a ser consumida na ocasião. Pensando bem… acho que é só mais um pretexto para todo mundo beber até cair, estou quase desistindo de ir.
Cai quem pode. Dezembro também é mês de conformações. É quando você
aprende (ok, aprendeu faz tempo) a se conformar com uma certa ranzinzice exacerbante que corre no sangue.
Enquanto a maioria dos mortais se preocupa em planejar viagens de fim de ano, em enviar e-mails para a Internet inteira avisando que não estarão no escritório do dia X ao dia Y (haja paciência…), e ficam brigando para ver quem vai ter o azar de entrar na escala do plantão durante as festividades, você é aquela criatura que fica olhando, sem entender, essa celeuma de desespero proletário.
Pior ainda, você é aquele ser esquisito que diz ‘eu posso’ quando os chefes perguntam por eventuais candidatos a ficar no plantão na noite de natal, na noite de réveillon e no feriado universal da ressaca, o primeiro de janeiro.
Não apenas ‘pode’, como aceita. Mas aceita baixinho, para ninguém ouvir, pois corre o risco de demitirem você achando que é louco, desses com uma dúzia de parafusos a menos. Claro que coisas assim você não divulga e nem conta para ninguém. Muito menos escreve sobre.