Nascera seco num dia de calor. Por pouco não teve seu corpo esquadrinhado como sua terra. A luz ofuscante do sol fê-lo chorar um pranto mudo que desejara gritante.
A incomunicabilidade da casa atacava-o brutalmente. O deserto humano arrastava-se porta à fora e este maldito silêncio esturricava -lhe a alma.
Nasceu para viver um dilema: animalizar-se ou humanizar-se; emitir grunhidos ou ser Baleia?
Os dias plangentes suportavam o calor causticante e a ausência de atitudes descambava para uma pobreza nua e rude como a alma daqueles seres esvaziados de si mesmos.
Severino precisava viver e com dignidade humana, ser um cidadão.
Indagava-se: — A escola me salvará? De que ensinamentos me apropriarei? Minha terra tem solução? E minha gente?
Persegue quilômetros diariamente em busca do famigerado letramento esclarecedor. As decepções se acumulam em sua cabeça. Aquela ausência de conhecimentos por parte dos mestres não o conduziam senão ao reconhecimento do pouco que aprendera por si mesmo. Preocupado com o progresso e o bem-estar da sociedade, questionava-se: — O que faziam aqueles professores? Em terras tão longínquas aprenderam o quê? Deixaram-se aprisionar pelo sistema? Que espécie de ensinamentos querem disseminar? E a si mesmo respondia: — Nada sabem, são restos humanos despidos de consciência política , de valores ético-sociais, são hipócritas, impingindo a idolatria do não-ser, do nada.
Sua cabeça borbulhava, precisava estar vivo, alerta. Não poderia ser partícipe daquele “status quo”, ser cúmplice de um sistema decadente, apodrecido.
Severino recorrera à Igreja. Dirigiu-se taciturno à capelinha da cidade, cujo vigário Damião era a encarnação de um santo. Solicitou-lhe ajuda. Gostaria de ler muito, tinha fome de conhecimentos. O vigário com extrema delicadeza permitiu sua visita diária. Severino até beijou-lhe a mão, como reconhecimento. Sentiu um certo tremor por parte deste abençoado. Pensou tratar-se da idade. Qual nada! Logo no primeiro dia, ao adentrar no quarto em que se localizava a biblioteca, ficou lívido. Afora a Bíblia, tudo era pura ficção: suas coleções eram pornográficas.
Por trás daquelas capas com anjos barrocos, santos esquálidos, viam-se fotos de crianças e adolescentes em poses ultrajantes, nas quais o vigário reinava num mundo de orgia pedófila.
O céu desabou sobre a cabeça de Severino. Aquilo era uma alucinação, um pesadelo, o desmoronamento da sua vida.
Sem fôlego, arrasta-se cambaleante até sua tapera. Recolhe-se no seu diminuto cubículo e indaga: — Por que faço parte destas trevas humanas, deste apocalipse cujo rosto é ninguém, o povo é nada e a terra acabada? Seu silêncio inquiridor e a incomunicabilidade reinam incólumes, destruindo o inconsciente individual e coletivo.
Lenta e progressivamente, apropria-se da única rede existente naquele lugar. Junta as duas pontas, põe sua cabeça no centro, puxa-as com todas as suas forças e se exila.