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A maior lua cheia em 18 anos
Preâmbluas
A lua está
Entre a força do dragão
E o brilho da estrela
Passiva irá
Ascender nas vésperas
Simples, mortal
Para dourada
Nascer
Crescer
Multiplicar-se
Em morte
Morte das estrelas
Morte das canções
E a noite inteira
Ninar
Patricia para aqui
Patricia para lá
Até amanhecer em mim
O que em mim
Não há
Preamblunes
La luna è
Tra la forza di un drago
Ed il lume d´una stella
Passiva
Ascenderà nelle vigilie
Semplice, mortale
Per dorata
Nascere
Crescere
Moltiplicarsi
In morte
Morte delle stelle
Morte delle canzoni
E la notte intera
Ninnare
Patricia di qua
Patricia di là
Fino ad albeggiare in me
Ciò che in me
Non c`è
Março de 2011. Diante de uma lua cheia, na praia de Boa Viagem, Recife – Pernambuco, escrevo o poema “Preâmbluas”. Alguns dias depois, o traduzo para o italiano.
Maio de 2012. Diante de uma lua cheia, na praia de Boa Viagem, Recife – Pernambuco, nasce a foto “A maior lua cheia em 18 anos”.
O que têm em comum? A foto não nasceu no mesmo instante do poema em português, que não nasceu no mesmo instante da sua tradução para o italiano. Posso relacioná-los, conectá-los, mesmo com o passar do tempo?
“Embora o ser humano, como ser simbólico, ser de linguagem, seja inseparável do tempo, pois o tempo é a matéria de que é feita a linguagem (Santaella 1992b), o tempo que fisicamente nos marca não é o da linguagem, mas um outro tempo, o dos grandes projetos ou programas da vida e do cosmos, sobre o qual não temos poder de exercer controle.” (SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 74)
Tomando como princípio a característica cíclica da lua, que é a mesma, mas que nos aparenta diversa, que “nasce, cresce, diminui e morre”, por que aquela lua de Março de 2011 pareceu tão semelhante a esta lua gigante de Maio de 2012?
“O escritor Marino (La rosa amarilla, J. L. Borges), pouco antes da morte, olha para a rosa e, pela primeira vez, em sua longa e vaidosa existência, vê a rosa, “como Adão pôde vê-la no paraíso”, a própria rosa, sem mediações, a rosa mesma na singeleza de sua verdade. Nesse instante de milagre receptivo, como se estivesse contido na centelha de revelação da rosa, o universo inteiro se revela.” (SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 61)
Vivemos num mundo poluído de imagens. Imagens por imagens, imagens vazias. A arte nos vem quebrar essas barreiras que se interpõem entre o nosso olhar original – olhar de criança, olhar puro de ideologias e massificações – e o objeto mesmo, aquele que ali está por séculos e séculos e ainda não nos havia capturado, não nos havia fisgado um sentido.
“Qualidade de sentimento: uma qualidade exterior (cor, luz, cheiro) ou um compósito de qualidades exterior ou interior (uma visão ou lembrança de plenitude na dor ou de frêmito no regozijo) excita a mente, produzindo como efeito tão somente uma qualidade de sentimento absorvente e absoluta na faísca fora-do-tempo do lapso em que dura.” (SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 61);
No momento da escritura do poema, não há distância entre a lua e a língua portuguesa, assim como não há distância desta com a sua tradução em italiano e a sua foto um ano depois. Ocorre uma “escavação”, um processo arqueológico entre reminiscências, lembranças doces, feito “o ninar de mãe”
Bênção, Mamãe Lua
Me dá mel com farinha
Pra dar pra minha galinha
Que está presa na cozinha…
(Canção de ninar popular, Autor desconhecido)
que coincidem com o sentir do poeta, se instalando no papel, se traduzindo no verso.
“(…) o código hegemônico deste século não está nem na imagem, nem na palavra oral ou escrita, mas nas suas interfaces, sobreposições e intercursos, ou seja, naquilo que sempre foi do domínio da poesia.” (SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 69)
Há um deslize da imagem à palavra em uma língua, de uma língua a outra, da palavra à nova imagem. Deslize que não podemos agarrar, que transcende o movimento mesmo da feitura do poema, da feitura da foto. Há um fluxo pessoal (o que a lua diz para mim nas duas datas) e um fluxo universal (o que a lua diz para todo ser humano em todos os tempos). Esses fluxos se misturam, eles são unos quando há a tradução do brilho lunar.
“Barthes (…) diferencia duas formas principais de referência recíproca entre texto e imagem, que ele denomina ancoragem e relais: no caso da ancoragem, “o texto dirige o leitor através dos significados da imagem e o leva a considerar alguns deles e a deixar de lado outros. […] A imagem dirige o leitor a um significado escolhido antecipadamente”. Na relação de relais, “o texto e a imagem se encontram numa relação complementar. As palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um sintagma mais geral e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais avançado”. “(SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 55)
O importante no diálogo entre texto e imagem é que algo se transforme, se transubstancie no interior de quem escreve, no interior de quem lê. O buscar e encontrar de sentido risca o céu feito estrela cadente, sublinha a lua cheia de recordações de infância, de prospecções de futuro, de inspiração em outras línguas e não precisa sabê-las, compreendê-las. Basta senti-las no mais profundo do ser.
“Wittgenstein: “Nós formamo-nos imagens dos fatos” (2.1), “a imagem é um modelo da realidade” (2.12), e “a imagem lógica dos fatos é o pensamento” (3).” (SANTAELLA e NÖTH, 2010, p. 29)
Junho de 2012. Praia de Maracaípe – Pernambuco.
“(…) o Tempo, o tempo que, do fundo da prega entre as duas fotos, emerge com violência e grita-nos no rosto, grita-nos que, longe de estar suspenso pela foto, passa, quebra, afasta, estraga.” (DUBOIS, 1990 (em 2011), p. 353)
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Referências Bibliográficas
[1] SANTAELLA, Lucia & NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras,
[2] DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. São Paulo: Papirus, 1990 (em 2011).
Obs: Imagens enviadas pela autora.