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Pronto! Estou abrindo uma clareira no meio da floresta para sentarmos em volta da fogueira e contarmos causos. Os pássaros se aquietarão, os pequenos animais se entocarão. Apenas um ou outro inseto se atreverá a voar em torno de nossas cabeças, mas a fumaça da fogueira e o cheiro de mato queimado ajudarão a deixá-los distantes de nós. Será que alguém se lembrou de trazer uma bebidinha? Vejo alí, sobre uma toalha xadrez, uma garrafa térmica, alguns copos e dois ou três pacotes que devem conter salgadinhos, docinhos, guloseimas. Ah! Tem alí, encostado a uma árvore, um violão! Isso quer dizer que alguém pretende cantar para nós. Esta reunião promete.
Como estão todos ainda meio intimidados, vou começar a falar. Mas podem me interromper, podem tomar a palavra, podem fazer o que quiser. O espaço aqui é totalmente nosso e abertamente liberal.
A última foto que postei mostra uma janela mal cuidada, de uma casa muito pobre, com um garotinho olhando para fora. Seu olhar reserva uma incógnita, que depende do próprio olhar de quem admira a foto. Ele pode estar simplesmente olhando para fora, à espera do chamado dos amiguinhos para sair para a rua em deliciosas brincadeiras infantis. Pode também estar aflito, esperando a chegada da mãe que foi às compras, com o pouco dinheiro que tinha, ver se conseguia trazer comida suficiente para saciar a fome dos filhos e dela própria.
Mas pode também ser um olhar resignado de quem, tão cedo já percebeu que não adianta nutrir esperanças de uma vida melhor, pois seu futuro não pode lhe reservar nada de bom. Tudo o que seu olhar pode denunciar é a desesperança, a falta de expectativas, a falta da própria infância, que se esvai em meio aos tantos sofrimentos.
Infelizmente esse é o tipo de olhar de tantos meninos como ele, principalmente neste nosso país de tantas desigualdades, de tanto desgoverno. Ou então daqueles que estão crescendo em meio aos horrores da guerra, não importa se de traficantes, se de terroristas, ou de invasores americanos.
Esse pode ser o olhar que observa, horrorizado, o futuro no meio de uma rebelião da Febem, ou mais longe ainda, no meio de uma rebelião em algum presídio, verdadeiro depósito de seres que nem mesmo podem mais ser considerados pessoas, já que estão vivendo, ainda em vida, em meio ao inferno, rodeados de demônios, tanto os que estão atrás quanto os que permanecem do outro lado das grades que os separam do mundo.
Emocionado, pergunto por onde anda Deus e me calo, cedendo a vez a quem mais quiser falar…