professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio
Talvez poucas visitas papais de Bento XVI hajam sido cercadas de expectativas negativas como sua recente passagem pela Inglaterra, sede viva e ativa do catolicismo de protesto. Pela cidade viam-se cartazes contra a visita do Papa. Reinava um clima terrível decorrente dos recentes escândalos de pedofilia entre o clero, com inúmeros e graves casos em território britânico, que se somavam às reivindicações em favor da ordenação de mulheres, do casamento entre homossexuais, do uso de anticoncepcionais etc. Como se não bastasse, a mídia abria fogo diariamente contra o peso dos custos da visita no bolso do contribuinte inglês.
Bento XVI desembarcou em um país líder do secularismo antirreligioso, antimonoteista e até mesmo anticristão. A Inglaterra desempenha papel de liderança no processo de secularização inapelável da Europa que tanto atormenta o Papa. E a visita se propôs a ser pastoral, a primeira desse teor na Inglaterra desde o cisma de 1533.
No entanto, o Papa deixou a Inglaterra com um saldo sobretudo positivo, mesmo diante dos céticos e incrédulos que esperavam o pior. Creio que os pontos chaves do sucesso da visita foram dois: o primeiro, sem duvida, as palavras claras e sem tergiversação com as quais se dirigiu às vítimas da pedofilia. Chamou as coisas pelo nome: sofrimento imenso, tortura, crime inqualificável, vergonha e humilhação para a Igreja que, com esses tristes fatos, tem sua credibilidade moral minada. E recorrendo a Newman, por quem sente grande admiração e a quem beatificou no decurso da visita, recordou que os padres não são anjos, mas sim homens como todos os outros. E, portanto, pecadores, falíveis, muitas vezes indignos da missão sacerdotal. Carinhosamente rezou com as vítimas, pediu perdão, prometeu seguimento da tolerância zero para com os pedófilos.
O segundo foi a postura ecumênica, clara e incontestável. Não se pode dizer que Bento XVI veio com arrogância e autossuficiência. Os ingleses tiveram diante de si a figura de um peregrino humilde e com real desejo de diálogo. Creio não se poder afirmar como alguns comentaristas britânicos que houve uma refundação católica da Inglaterra. Parece-me certo exagero. Mas o fato de o Papa entrar na Abadia de Westminster, sede da monarquia e da Igreja da Inglaterra, como protagonista da cerimônia já é suficientemente espantoso sem as hipérboles da mídia.
O mais espantoso, porém, é o fato de que, naquele espaço, Bento XVI haja dito tudo que queria, sem agressividade, mas com firmeza inarredável. Inclusive louvar a figura de Thomas More, santo católico que morreu por não aceitar a separação da Inglaterra da comunhão católica. E tudo isso enquanto implorava textualmente a união entre os cristãos. Se refundação não houve, acredito que se pode falar de uma reafirmação do cristianismo histórico em pleno coração da secularização.
Não sei se o catolicismo saiu vencedor. Nem creio que isso seja o mais importante. O Evangelho foi proclamado e testemunhado. E isso sem dúvida é o que se deseja ou, pelo menos, o que se deve desejar.
Maria Clara Bingemer é autora de “Deus amor: graça que habita em nós” (Editora Paulinas), entre outros livros. http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape/
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