Caminho por minha cidade. Coleto os ventos que sopram em minha memória. Deixo-me triste e com um tênue sorriso. Observo a melancolia das casas vazias, são tantas. Onde estão todos aqueles que moldaram os tijolos de minha infância? Onde estão meus pais, meus irmãos, minhas irmãs, meu próximo? O rio de minhas lembranças corre ao largo de meu olhar. Procuro meu rosto em cada pessoa que passa por mim. Não me vejo, não me reconheço em ninguém. Sigo com a mesma solidão que levei, com uma diferença: deixou de ser leve e, hoje, ela me dói. Quem ficou com minhas mãos para compartilhar um encontro, alguns gestos, nossos afetos? Essa pessoa dentro de mim insiste em continuar a caminhar por ti minha cidade, como se no seio de ti, cidade, fosse possível a ela se resgatar, se redimir, se eximir de tudo que perdeu longe de ti. Não foste tu cidade quem a abandonou, tampouco foi ela quem te abandonou. É a vida que, lentamente, vai procurar outro barro, outro sopro, outros ventos. É a vida que, lentamente, enruga a pele, tolhe a lembrança, turva o olhar. É vida que se renova. E eu que tinha infinitas histórias para contar, perdi-me em todas elas. Não sei como elas começam, nem como findam. As palavras me deixam. Envolto em mim, aguardo, em teu ventre cidade, por quem cuidará de meu silêncio.