Emanuela Cristo  Quaresma

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Parte IX – Hosana! Bendito o que vem em nome do senhor!  (mc 11,9).

Situando-nos

Hoje, celebramos o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. O duplo nome indica dois diferentes mistérios, duas diferentes tonalidades espirituais, duas histórias diferentes: “Ramos” e “Paixão”. Com a celebração deste domingo, iniciamos a Semana Santa, a Semana Maior do ano litúrgico.

A procissão com os ramos tem sua origem na liturgia de Jerusalém; de lá passou para a liturgia da Espanha e da Gália; bem mais tarde (por volta dos séculos VII e VIII), a Igreja de Roma também a assumiu. Nesta procissão celebramos a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém para realizar seu mistério pascal. O uso dos ramos faz alusão à festa das Tendas. Agitando nossos ramos, caminhando e cantando hinos de vitória ao Cristo, Rei e Redentor, aclamamos Jesus como Messias. Ele vem realizar todas as promessas dos profetas e instaurar o Reino de Deus: justiça para os pequenos; participação de todos em igualdade, em vez de grupos poderosos dominando o povo; convivência fraterna sem exclusões, sem discriminações, paz entre os povos e diálogo entre as culturas; plena comunhão com Deus…

A celebração da Palavra deste domingo, com a leitura da Paixão do Senhor tem sua origem na liturgia romana. Ela é toda centrada na figura de Cristo como Servo Sofredor. As leituras falam da perseguição, do sofrimento e da entrega de Jesus que se fez o Servo do Senhor; realçam sua fidelidade à missão, que lhe fora confiada pelo Pai, de salvar os pobres e humildes. Jesus se associa a todos os sofredores e sofredoras do mundo, a todos os pequenos, oprimidos e injustiçados. Ele nos convoca para segui-lo neste caminho, hoje.

Tradicionalmente, o evangelho que é lido antes da procissão e que narra a entrada de Jesus em Jerusalém, é lido com certa ironia: aquela multidão aclama Jesus como um rei, e daqui a cinco dias vai condená-lo à morte, vai crucificá-lo. Mas, atrás da ironia há uma verdade maior: Jesus é Messias. Esta entrada messiânica em Jerusalém inaugura o seu messianismo, o seu reinado, e todos os de bom coração, as crianças, “os filhos dos hebreus”, saíram ao seu encontro cantando hosanas. Das próprias pedras ressoam os seus louvores (cf Lc 19,40). Cristo é o Rei da glória! Isto já não é Páscoa?

A celebração da Grande Semana será sempre um confronto com o mal do mundo, com o “mistério da iniquidade” (cf 2 Ts 2,7), tão presente na humanidade. Há muito sofrimento. Além das catástrofes naturais, parece haver no mundo muita opção pela morte, desde a violência da guerra, o terrorismo, a fabricação de armas, a violência urbana, a morte pela fome e as doenças, até a violência contra o planeta.

Os dois personagens centrais e opostos do drama destes dias são Cristo e satanás. Para alguns Padres da Igreja dos primeiros séculos, a chave de compreensão do mistério pascal é a luta entre os dois e a vitória de Cristo na ressurreição. Cristo é vitorioso não apenas sobre o pecado e a morte, mas sobre a origem pessoal de todos os males, o diabo, o contraditor, o adversário. O intento de satanás, em sua volta neste tempo oportuno (cf Lc 4,13), é desviar Jesus de sua missão, esvaziar sua missão de Messias.

Em unidade com toda a Igreja do Brasil, fazemos, hoje, a coleta da solidariedade, que é parte integrante e bem concreta da Campanha da Fraternidade. A Igreja do Brasil, neste ano, se propõe a aprofundar o diálogo com a sociedade, preocupando-se em particular com a situação em que vivem milhões de irmãos e irmãs nossos, que sofrem as consequências da desigualdade social. A igreja se dispõe a ser solidária com os pobres, pois é no mundo da pobreza que se há de conferir a radical novidade do cristianismo, como força e poder de Deus em favor da salvação da humanidade[1].

Recordando a Palavra

 O texto de Isaías 50,4-7 relata o terceiro canto do Servo Sofredor, que é marcado pela escuta da palavra de Deus, pela fidelidade no anúncio, pela perseguição e resistência. Ter a barba arrancada e ser cuspido no rosto são gestos dolorosos e humilhantes. A expressão “endurecer o rosto como pedra” mostra a resistência do servo. De quem o profeta está falando? Ficamos com a interpretação messiânica: segundo os autores do Segundo Testamento, esse ideal encontrou perfeita realização em Jesus: a profecia do servo sofredor descreve antecipadamente a vida de Jesus. Sua confiança em Deus e seu amor pelos irmãos deixam-no em uma suprema liberdade diante de qualquer provação. Ele tem certeza de que sua missão não é vã.

Realmente, Jesus assume a missão deste Servo misterioso: uma missão de discípulo que escuta, que encoraja os desanimados e apresenta resistência não violenta ante os sofrimentos e humilhações que lhe são impostos pelos inimigos.

O Salmo 21 (22), oração pessoal de súplica, expressa a esperança do justo sofredor e responde ao canto do Servo anteriormente proclamado. O inocente perseguido, vivendo profunda experiência de abandono, sente-se esquecido pelo próprio Deus (cf Mt 27,46): “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes”? Será que até Deus se afastou? Mas da oração suplicante brota a certeza de que Deus está presente e vai socorrer o fiel contra os inimigos violentos.

Filipenses 2,6-11 canta, em síntese, toda a trajetória de Jesus Cristo. Este hino descreve o aniquilamento, o “esvaziamento” do Filho de Deus.  Este aniquilamento expressa o movimento de Jesus que parte de Deus, desce até a morte na cruz, e volta para Deus como Senhor. Jesus não teve medo e, como verdadeiro Servo sofredor, viveu consciente e livremente a nossa experiência humana até a morte. O caminho do Servo Jesus é o caminho da encanação, da solidariedade com a humanidade sofrida. E “por isso Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9).

Jesus recebe do Pai um nome que está acima de todo nome: ele recebe o título de Senhor. Jesus Cristo é o Senhor do universo e da história. Ao nome dele toda a criação se prostra em adoração (Fl 2,10).

O hino cristológico da carta aos filipenses constitui a chave principal deste domingo: Jesus humilhou-se, se rebaixou e por isso Deus o exaltou. O hino descreve a preexistência do Filho; o mistério da encarnação, de sua paixão e morte e ressurreição. É nesta perspectiva que os cristãos somos chamados a seguir os passos de Cristo, Senhor da história, como seus discípulos, renovar a nossa adesão a ele, na Grande Semana que inicia.

A entrada de Jesus como Messias em Jerusalém é descrita por Marcos 11, 11,1-10. Jesus chega a Jerusalém para seu confronto com os poderes religiosos e políticos, presentes nesta cidade, e que se armam para eliminá-lo. Ele não vem montado em animal de guerra, mas em um jumentinho, e é reconhecido por sua gente como enviado de Deus.

Neste ano B, é proclamada a Paixão de Jesus segundo Marcos. Esta narração se distingue por apresentar as testemunhas oculares da Paixão. Sendo o relato mais breve e mais antigo, talvez seja o que mais se prende aos fatos. Marcos descreve de modo muito realista, com muitos detalhes, a paixão de Jesus, que morre quase desesperado. O sofrimento que padece o homem Jesus atinge não só o seu corpo, mas também o seu coração.

Marcos apresenta Jesus, o Messias, como o Filho de Deus. Ele é interrogado diante do sinédrio sobre a sua identidade e a confessa (cf Mc 14,61-62). É a única vez, no evangelho de Marcos, que Jesus afirma ser o Messias, o escolhido de Deus para realizar seu projeto de liberdade e vida. O que parece blasfêmia para a sociedade que mata (cf Mc 14,63) é a maior profissão de fé de quem nele crê e a ele adere.

O sinédrio o rejeita e condena à morte. O oficial romano, um pagão, o reconhece como Filho de Deus: “De fato, esse homem era mesmo Filho de Deus” (Mc 15,39). Jesus é Messias-Rei, mas a sua realeza não coincide com os padrões de poder e autoridade daquele tempo e de hoje.

A história da Paixão e Morte de Jesus Cristo não é algo distante ou sem interesse. Toda a humanidade e cada pessoa estão envolvidas nela, dela participam de alguma maneira e dela são chamadas a dar testemunho. Na verdade, cada um de nós poderá exercer o papel de Pedro, que nega o Mestre, mas se deixa atingir pelo olhar misericordioso de Cristo (cf Mc 14,72). Pode acontecer que façamos o papel de Pedro, Tiago e João: em vez de vigiarem, adormecem enquanto Jesus sofre a agonia de sua hora. Seremos talvez, em certas circunstâncias da vida, as testemunhas falsas, os sumos sacerdotes, os anciãos e os escribas, que não reconhecem em Jesus o Filho de Deus bendito nem o Filho do Homem que verão sentado à direita do Pai.

De repente, poderá se manifestar em nós a figura de Pilatos, e, por covardia, acabamos por condená-lo. Seremos ainda o povo, preferindo Barrabás a Cristo. Por vezes, talvez contra a vontade, fazemos o papel de Simão Cireneu, ajudando a carregar a cruz de Jesus, pesando sobre os ombros da humanidade injustiçada e sofrida, hoje.

Cada pessoa já terá sentido em si o conflito entre o personagem que faz o Cristo sofrer mais e aquele que se solidariza com ele e procura aliviar seus sofrimentos. Importa que, por entre os altos e baixos da vida, reconheçamos no Filho do Homem quem ele é, e digamos como o oficial romano, um pagão: “De fato, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39).

Atualizando a Palavra 

Chegando ao Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, encontramo-nos no portal da Semana Santa. Como o povo da Primeira Aliança, que durante a festa das Tendas levava ramos nas mãos, simbolizando a esperança messiânica, hoje, nós aclamamos o Cristo, Rei Redentor e renovamos nossa adesão a ele. Escutando com atenção e adentrando no mistério da paixão do Senhor, deixamos que o mistério pascal da paixão, morte e ressurreição de Jesus se realize em nossa vida.

Adentrar no mistério celebrado neste domingo é compreender que a paixão de Jesus não é um acontecimento do passado, mas se atualiza aqui e agora: a sua paixão se prolonga em todos os sofredores de nossa sociedade. Será que descobrimos sinais que apontam para a presença de Deus ao lado dos marginalizados, dos sem voz e sem vez?

Identificamo-nos com o povo, que foi tantas vezes ajudado por Jesus, que percebeu nele uma saída para a sua vida e, cheio de profunda esperança, o aclama? Cremos, como aquele povo, que ele há de cumprir as promessas de Deus e está sempre do lado dos pobres?

Ou nos identificamos com as equipes dominantes, parceira do Império Romano, cheias de privilégios, detentoras de altos rendimentos, donas de todo o poder político, econômico e religioso, que não aceitam a liderança de Jesus e tramam a morte do Justo?

Os projetos políticos, de ontem e de hoje, construídos sem levar em conta o projeto de Deus revelado em Jesus, servo, obediente até o fim têm que ser questionados e não aceitos como certos. É oportuna e necessária a iniciativa profética da Igreja do Brasil, nesta CF e sempre, de estabelecer um diálogo com a sociedade visando à realização do projeto de Jesus, o serviço à vida, o bem do nosso povo, o desenvolvimento integral da pessoa, a implementação dos valores do Reino.

A Boa Notícia deste domingo é o anúncio daquele que se fez servo, paciente nas provações, obediente até a morte, e morte de cruz.

Deus Pai foi e continua sendo glorificado quando as pessoas, em especial os cristãos, reconhecem em Jesus o humano que passou pela encarnação das realidades mais sofridas e humilhantes, culminando com a morte na cruz, condenação imposta a criminosos.

Podemos ser tentados a pensar que tudo terminou na Sexta-feira Santa, na morte. Na verdade, continuamos a constatar que os pobres se tornam sempre mais pobres, a violência cresce assustadoramente e inúmeros inocentes morrem. Mas, com a paixão, morte e ressurreição de Jesus, Deus nos mostra o caminho da salvação que passa pela cruz. Foi o caminho que o Pai escolheu com a encarnação de Jesus: ele assumiu nossa condição humana. Assumiu sobre si nossas dores. Enfrentou a perseguição dos poderosos.

Porém, contraditoriamente, dessa cruz, instrumento de morte, brotou a vida, a ressurreição, a semente do novo. É esta outra proposta de mundo que, como seguidores de Jesus, queremos adotar.

Ligando a Palavra com a ação eucarística

O relato da Paixão de Jesus que hoje escutamos é a prova de um amor sem medida. A nossa participação nesta celebração não é uma mera repetição da cena evangélica, mas sacramento da nossa fé na vitória do Cristo em nosso mundo aniquilado pela cruz do terror e da morte. Rendemos graças a Deus porque em Jesus nos é indicado o caminho da vitória. Aclamando que ele é bendito e vem em nome de Deus, aderimos ao seu projeto e abraçamos a sua condição de servidor fiel até a extrema entrega na cruz.

A nossa participação na liturgia eucarística se faz na base de nossa pertença à Igreja de Cristo pelo batismo. Na Oração Eucarística II pedimos: “E nós vos suplicamos que, participando do Corpo e Sangue de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”.

Cada vez que celebramos a eucaristia se atualiza a entrega de Cristo na cruz. Neste domingo, após escutarmos a narrativa da paixão e percebermos o mistério celebrado, passamos pela experiência espiritual na comunhão do corpo e sangue de Cristo, encontro com o Servo Sofredor que doou a própria vida e ressuscitou. Na comunhão do seu corpo glorioso, já participamos da vida nova, que superando a morte.

Na antífona de comunhão escutamos o pedido insistente do Filho de Deus: “Ó Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26,42). O cumprimento fiel da vontade do Pai nos reconcilia com Deus. A sua misericórdia infinita e o sacrifício do Filho nos alcançam sempre de novo o perdão.

Sugestões para a celebração

 1. Os ritos iniciais (bênção dos ramos e proclamação do evangelho) devem ser realizados a uma certa distância da igreja para que se possa fazer uma verdadeira procissão.

2. Podem-se providenciar ramos e ervas medicinais para entregar às pessoas, à medida que vão chegando para a celebração.

3. É importante lembrar que a leitura da Paixão se faz sem velas, sem incenso, sem a saudação “O senhor esteja convosco…”; sem fazer o sinal da cruz sobre si mesmo nem sobre o livro; no final, não se beija o livro nem se diz ”Palavra da salvação”.

4. A leitura da Paixão merece uma boa preparação, com antecedência, repartindo os diversos personagens, para tornar mais ativa a participação da assembleia. Quem preside, diz as palavras de Jesus.

5. Pensar na forma como será feita a coleta da CF: colocar um recipiente no qual as pessoas deixarão a sua oferta. Neste local pode ser colocado o cartaz da CF.                

Obs: a) publicado pela CNBB nacional.
b) Com autorização da autora, alguns subtítulos foram alterados para a postagem.
c) imagem enviada pela autora (retirada da internet)

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[1] Cf Texto base da CF 2015 – JULGAR n.58.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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