Reforma é quando jornal resolve enxugar custos na planilha, espaço no papel e funcionários na mesa. Às vezes, também atende pelo nome de inovação. Não existe reforma porque jornal ainda não pretende reformar nada. Falta interesse e conhecimento para mexer no status quo, embora o discurso para público, acionistas, funcionários e colaboradores seja outro. Um jogo de cena conhecido – e alimentado – por quem dele faz parte.
Uma reforma, de fato, significa quebrar tabus quase religiosos dessa instituição chamada jornal diário. E o principal tabu é o gesso. Você tem três fotos excelentes para a matéria? Só tem espaço para uma. Tem uma reportagem ótima com duas páginas essenciais? O leitor não vai ler. Não tem notícia suficiente de Economia para hoje? Se vira porque tem quatro páginas para preencher. Coloca qualquer coisa da agência.
Há 10 anos, já não fazia sentido manter esse método gesseiro de produção. Continuaram. Hoje, jornal impresso é motivo de piada. Um elefante na sala. E nossa sala tem cada vez menos espaço para papel ruim. Também não há mais espaço para veículos engessados, presos a regras semirreligiosas de produção, edição, diagramação e publicação.
O jornal tornou-se desnecessário
Há gesso maior do que a ditadura das aspas? Toda matéria precisa ter aspas, aprende o estudante de jornalismo logo cedo na faculdade. Mesmo que a aspa seja completamente inútil, mesmo que não acrescente nada. Mesmo que a aspa seja de uma pessoa totalmente desqualificada para comentar sobre o assunto. Mesmo que aspa seja de um profissional mentecapto, mas que estava disponível antes do fechamento. Mesmo que a aspa seja daquele consultor que já foi aspeado oito vezes este mês e sobre cinco assuntos aleatórios em três editorias diferentes.
Nenhuma reforma, até hoje, conseguiu desengessar essa máquina porque nem o andar de cima nem o de baixo têm interesse em mudar a ilusão de estabilidade que possuem. Trata-se de um status quo conveniente para quem está no andar de baixo e mais conveniente ainda para quem está no andar de cima. Ou seria o inverso? Para quem está do lado de fora, pensando se vale a pena ou não comprar o jornal hoje, é apenas ridículo.
Jornal continua achando que entende a cabeça do leitor. Mesmo quando os leitores demonstram, todos os dias, o quanto o jornal se tornou desnecessário para eles. Mas o jornal insiste no mesmo modelo porque o leitor não tem cérebro e não pensa, o leitor parece que é feito de gesso.
Sem tempo para tabus e dogmas
Às vezes, o jornal arranca um choro aqui ou outro ali, uma comoção generalizada durante uma semana, um elogio aqui e outro ali nas rodinhas de jornalistas, um prêmio aqui e outro ali… e pronto: acha que descobriu a pólvora de novo. Afinal, é premiado e elogiado. Pelos seus pares.
Curioso. Tem jornal que espera a boa vontade de um caderno especial para oferecer uma leitura que convide à reflexão e ao conhecimento. E o tal do caderno especial, que levou tantos meses para ser publicado, de tão grande se torna cansativo. Isto é, quando o próprio assunto já não é cansativo e repetitivo em si, daqueles que já foram abordados inúmeras outras vezes em inúmeros outros lugares. Em termos concretos, é um ótimo troféu de caça para pendurar na parede.
Jornal diário é jornal diário. Não é jornal semanal, quinzenal e nem jornal de caderno especial. Se boas reportagens só vão aparecer em reportagens especiais, que deixe de ser diário para ser semanal, quinzenal ou se transforme em revista mensal. Que vire qualquer outra coisa, menos jornal. O jornal, como instituição, transformou-se em religião. E como a religião também tem nos provado a cada dia, está cada mais vez insignificante na vida diária de uma sociedade sem tempo para tabus e dogmas universais.
E como qualquer religião, continuará com seu rebanho cego e defensor desses dogmas. Até ser demitido por uma reforma e virar ateu. (Em 23.04.13)