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O ônibus (Porto Alegre/Santo Angelo) que conduz os passageiros (sintam o verbo e o sujeito desse período,  que seriam totalmente inusuais no Rio de Janeiro, usados por mim não gratuitamente, mas para ressaltar o merecimento)… Continuo: o ônibus da viação Ouro e Prata é de tal conforto e o motorista tão competente, que, esparramada no colo de uma super poltrona, capaz de envolver alguém pelo menos duas vezes maior e três vezes mais inquieta que eu (se é que é possível haver tal ser humano!), passei 6 horas deliciosas, assistindo paisagens esplendoras irem se esticando pela tela da janela, trazendo verdes, azuis, amarelos, laranjas impensavelmente trançados, numa tapeçaria que transportou meus planos, meus sonhos e foi aliviando, pouco a pouco, calidamente, meu cansaço  de 365 dias de serviços prestados. Ah! Porque 2011 foi generoso, mas foi também um mestre severo, eu afirmo, sem medo de parecer ingrata.

Chego a Santo Angelo quase à noite, (que nesses tempos vem tardia por aqui) numa rodoviaria sem adendos, mas  não das piores, certamente. De táxi, prossigo, então, por estradas, caminhos  de bons asfaltos, bons calçamentos, nenhum sobressalto. Tem uma vindima no caminho, para meu deslumbre e chácaras e sítios e passantes que cumprimentam o motorista, todos aparentados dele, de  algum modo. Fascinante!

Cerca de 40 minutos depois, estão a nosso lado as ruínas da Redução de São Miguel. Só vou conhecê-las amanhã, mas já as encontro cheia de desconfiança por sua origem catequética, depois das nódoas que um certo mal estar de decepção, pelos festejos religiosos da noite do Natal, (passada no Caraça -MG), deixou em meu coração. Mas isso é outra história, muito menos interessante, agora.

Acordo, então, no último dia do ano em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul, como quiseram a sorte, o destino, a Gol- linhas aéreas, ou quem quer quer estivesse no comando da grande roleta da Vida, quando pensei estar me decidindo. De manhã cedo, parto para o reconhecimento do espaço. Inquieto-me. Minha incapacidade de não racionalizar (sim, são duas negativas mesmo!) me impede de ir de peito aberto. Vou de turista, pedindo informações, querendo saber detalhes, para, é claro, reforçar a defesa e não me empolgar tão fácil, como denunciam, com toda razão, meus filhos.

Logo na varanda do Museu, vejo os Guarani. Mulheres e crianças sentados no chão, entre seus artesanatos expostos à venda, silenciosos  e observadores atentos. Atrás dos vidros, dentro do prédio, as sobras dos trabalhos de seus ancestrais, esculturas magníficas que reproduzem o estilo da arte européia do séc. 18. Aqui fora, a cestaria, os animais esculpidos em madeira, os colares, as penas, arte atemporal, de nossa terra. O contraste confunde e entristece, porque faz lembrar a desvalorização injusta de seus trabalhos genuínos, maravilhosos!

Entro nas ruínas da Catedral e sinto que a dor de cansaço que já me comprimia o peito há tempos,  vai aumentando… A trágica história, que foi  vivida aqui,  passa pela minha cabeça em flashes, como os intantâneos de um jornal de TV e eu repudio-me, como ser humano pretensamente civilizado, por ser parte desta espécie capaz de tanta sordidez, e me pergunto qual o sentido dessa minha caminhada.

Saio pisando firme e estou exatamente sob a porta principal,  quando me espanto ao ver, caminhando pelo gramado, vindo como que em minha direção, uma indígena anciã, carregando ao colo uma criança, e acompanhada por uma índia mais jovem, também adulta, que vem trazendo um menino pela mão. O movimento dessas quatro criaturas, seu colorido e seus sons, que eu apenas adivinho, pela mímica que assisto, alegram-me a alma, levando-me de novo a um tempo em que aqui existiu Vida! Sorrio.

Daí em diante o dia passa em  breves contatos, que me ajudam a ir me  despindo dos temores excessivos, permitindo-me voltar a minha espontaneidade. Na Pousada, onde estou hospedada, oferecem-me, orgulhosos, o programa da noite  de Reveillon, que quase recuso de pronto. Mas, quando chega a hora do início da festa, que se fará com a presença das benzedeiras locais, não resisto à curiosidade e vou, já solenemente vestida para participar não sei bem de quê. ( continua)

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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