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Neste domingo passado, as Igrejas de tradição latina iniciaram o ano litúrgico, ciclo no qual se revivem todos os grandes atos da vida de Jesus, desde o seu nascimento, até a morte, ressurreição e partilha do seu Espírito sobre toda a terra. As comunidades revivem estes eventos não apenas para lembrá-los e sim para, neles, se incorporarem. O propósito de cada celebração não é apenas se ligar ao passado, mas nos ajudar a seguirmos o mesmo caminho e nos consagrarmos à mesma causa pela qual Jesus deu a vida. O ciclo anual de celebrações começa com o tempo do Advento, quatro semanas dedicadas a reavivar a esperança da realização do projeto divino no mundo. Esta esperança foi alimentada pelo nascimento de Jesus. O Natal não é apenas aniversário de um nascimento, mas proclamação que a presença e ação divinas se revelam permanentemente em todo ser humano ao qual Jesus se uniu ao nascer neste mundo.
Hoje, a presença divina é testemunhada pelas religiões, mas também por muitas pessoas e grupos que procuram melhorar o mundo e tornar a humanidade mais solidária e amorosa. Há poucos dias, ocorreu na cidade de Astana, capital do Cazaquistão, o 1º Fórum Mundial da Cultura Espiritual. O Cazaquistão é um dos países que se tornou independente com o fim da União Soviética e está na fronteira entre a Europa e a Ásia. Por isso, liga diversas culturas e é ponto de encontro entre várias raças, desde os antigos nômades cazaquis que deram o nome ao país (o termo significa “pessoas livres”) até europeus e chineses que há séculos são seus cidadãos. O 1º Fórum Mundial da Cultura Espiritual contou com a participação de Kiril I, patriarca da Igreja Ortodoxa de Moscou e de toda a Rússia, além de autoridades budistas, xintoístas, muçulmanas (o país é de maioria islâmica) e de muitas pessoas que, embora não pertençam a uma religião específica, vivem uma busca espiritual profunda. Durante a última semana de outubro, este fórum reuniu quase mil pessoas entre delegados/as e observadores, vindos de mais de 60 países, além de quase cem voluntários/as, ligados/as à organização do evento.
Como costuma acontecer, a imprensa internacional não deu nenhuma notícia sobre um evento como este. Certamente, jornais e televisões estavam ocupados demais com algum escândalo ocorrido nas cortes mundanas ou com detalhes sensacionalistas de algum crime passional. Encontros e fóruns para unir a humanidade em uma cultura da paz ainda não vendem jornais. De qualquer modo, é importante sabermos que o fórum propôs que em todos os países as pessoas e grupos empenhados na paz e na transformação do mundo comecem a discutir a elaboração de uma Constituição internacional da Cidadania Planetária, baseada em uma consciência ético-ecológica e em uma cultura da “amorosidade” universal.
Esta proposta parece irreal e distante das preocupações concretas do nosso dia a dia. Entretanto, a fé nos faz caminhar aqui e agora, sem perder o olhar sobre a meta final. É importante prestar atenção a cada passo do caminho para não nos desviar, nem cair em algum precipício. Ao mesmo tempo, pouco adianta caminhar, sem ter claro o destino final e o rumo a seguir até a utopia desejada.
Na espiritualidade cristã esta é uma atenção dialética. Precisamos assumir o momento atual como o hoje de Deus em nossa vida. Ao mesmo tempo, ainda esperamos o reinado divino que virá em sua plenitude a este mundo. Isso significa que a paz, a justiça e a comunhão com o universo são objetivos possíveis e que devemos perseguir. O tempo do Advento celebrado pelas Igrejas tem como objetivo aprimorar em nós esta consciência. Ele nos une a todas as pessoas e grupos que no mundo inteiro, nas diversas religiões ou fora delas, trabalham por este objetivo. No 1º Fórum de Espiritualidade que aconteceu em Brasília, (2006), cada participante assinou o seguinte compromisso: “Consciente de que a edificação de uma sociedade justa depende da transformação individual de cada ser humano, comprometo-me a atuar – com amor, inteligência e solidariedade – empenhando o melhor de minhas capacidades para a construção de uma sociedade livre, igualitária e fraterna, buscando proteger a vida no planeta e construir uma organização social, justa e digna. Reconheço que minha família é a humanidade e que estou irmanado/a a todos os seres viventes”. Este é o verdadeiro e principal conteúdo deste Advento, proposta não só para cristãos, mas para toda a humanidade.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.