Cada dia de nossa vida é vivido sob o olhar de Deus. E da nossa parte deve haver esse desejo de viver, de caminhar sob o olhar de Deus, conscientes de nossas fragilidades, mas também com a convicção de que somos profundamente amados. E o olhar de Deus é um “olhar insistente e sério” como diz um grande poeta.
Com freqüência encontramos na Sagrada Escritura esta palavra: “caminha na minha presença”. Encontramos isso ao longo de toda a História da Salvação e, de outro modo, nos Evangelhos.
Eis porque somos continuamente convidados a permanecer em Deus com uma consciência mais aguda de Deus: de Deus que nos vê; de Deus que nos olha, mas também e, sobretudo, de Deus que nos ama. São Bento que fez essa experiência de maneira muito forte fez também essa recomendação aos seus discípulos e a colocou em sua regra: “Caminha na presença de Deus. Caminha sob o olhar de Deus”.
Na Sagrada Escritura encontra-se outra afirmação que merece a nossa atenção. “Ele, porém, conhece o meu caminho” (Jó 23, 9), isto é, a minha conduta, todos os meus passos; até os meus passos interiores, os mais difíceis de conhecer. Deus tudo vê e tudo conhece. Aos seus olhos nada há que possa estar escondido, sob pregas. E saber que Deus conhece todos os nossos passos nos incomoda, mas, ao mesmo tempo, nos dá paz.
O olhar de Deus incomoda, porque é um olhar que vê todos os espaços de nossa vida, é um olhar criador que faz caírem todos os disfarces com que nos cobrimos a nós mesmos; que faz cair a imagem razoável e apresentável que temos de nós mesmos. Estar sob o olhar de Deus com simplicidade, sem problemas, faz com que apareçamos aos nossos próprios olhos tal como somos e não segundo a idéia que tínhamos de nós.
O olhar de Deus é perscrutor, afasta todas as desculpas a que recorremos para justificar nossa conduta. Esse olhar de Deus faz-nos compreender a responsabilidade que temos e o dever a cumprir, evitando o que acontece com freqüência, os falsos pretextos e as razões sem razão.
O olhar de Deus é com um farol de um automóvel, ao atravessar uma região de nevoeiro, ajuda a ver a sinalização da estada. Quando nos pomos sob o olhar de Deus, o nosso caminho e toda a realidade da nossa vida ficam verdadeiramente demarcados, tornam-se claros. Portanto, não é bom alimentar, consciente e voluntariamente, neblinas equívocas. Elas não permitiriam ver claro, e nos conservariam vivendo mais comodamente, mas seria uma vida ilusória.
Mais do que incômodo, colocar-nos sob o olhar de Deus, nos conduz a uma experiência de paz. E isso por várias razões. E a razão fundamental é que o olhar de Deus é sempre criador e re-criador. Se Deus deixasse por um só instante de nos olhar, o que aconteceria? O salmista responde: “voltaríamos ao pó, pois é o que temos de próprio”. Colocamo-nos sob o olhar de Deus, e nos mantemos sob Seu olhar, porque esse olhar é vivificante e rejuvenescedor. Neste tempo histórico que carrega as marcas profundas e desastrosas da pós-modernidade, quando tudo precisa renascer das cinzas, temos necessidade de uma renovação interior profunda. Permanecendo sob o olhar eterno e infinitamente rejuvenescedor de Deus, teremos a coragem necessária para nos manter em estado de vida nova, a partir desse olhar, e nos renovar segundo a sua Palavra criadora e redentora, pelo Seu olhar criador e recriador.
A segunda razão é que o olhar de Deus é um olhar de amor. A nossa vida, repito, é vivida sob o olhar de Deus e, portanto, nesta dinâmica: Deus nos olha e nós nos deixamos olhar por ele. Deus nos ama e nós nos deixamos amar por ele. Creio que isto nos deixa em paz.
Lembro ainda outro exemplo do Evangelho. Jesus no decurso de sua Paixão encontra o olhar de Pedro que o havia traído. O encontro desses dois olhares tem como conseqüência o que já conhecemos. Pedro ficou profundamente abalado, mas também profundamente feliz na sua grande dor, que se traduziu num mar de lágrimas – “ele chorou amargamente”.
Esse exemplo de Pedro nos oferece uma terceira razão: o olhar amoroso de Deus quando acolhido torna-nos capazes de amar. Transforma a vida, numa vida à imagem desse amor que se expressa no olhar. E Pedro, então, convertido pelo olhar amoroso de Jesus, poderá dizer depois: “Tu sabes que eu te amo”. O olhar amoroso de Jesus que transformou a vida de Pedro, o tornou capaz de amar. Todos nós, no íntimo de nosso ser, queremos aprender a amar a partir do olhar amoroso de Deus para sermos mais capazes do anúncio desse amor.
Deus nos enche de alegria com o seu olhar, com o seu rosto. Esta deve ser a nossa certeza. Como não será uma grande alegria, uma grande felicidade, sentir-se envolvido, atraído por esse olhar criador, por esse olhar de amor? Precisamos aprender sempre de novo a assumir a vida com a alegre certeza de quem se sabe conhecido e amado. Conhecido não por qualquer conhecimento, mas por um conhecimento de amor, do amor de Deus.
Vamos reaprender a viver nossa existência sob o olhar de Deus, reconhecendo que, muitas vezes, estamos inclinados para o contrário, isto é, pretendemos viver a partir de nós próprios: nossos projetos, sentimentos, previsões, inquietações, apreensões, etc… Mas a nossa vida, na verdade, deve ser vivida na submissão a Deus que jamais se deixa possuir, alcançar e diante de Quem só há uma atitude adequada: adoração e submissão. A fecundidade de nossa vida dependerá da contínua e amorosa submissão a Deus que nos olha com amor.