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O poeta já disse – e fizemos de conta que não ouvimos – que o que tem mais presença na gente é o que nos falta. E seguimos nessa vida, amontoando coisas e trecos que parecem cair num buraco negro. Nosso peito, cornucópia ao reverso em que não importa o que ou o quanto entre, parece nunca estar satisfeita.
Menos é mais. Isso já nos foi dito também. Mas essa conta não é aceita nesses tempos em que o desejo reina e a necessidade é traço de primitivo numa caverna em Lascaux. Porque quem procura e até acha alguma coisa, na verdade, ainda está perdido. Pois quem já se encontrou não precisa achar mais nada.
Não há nenhuma estranheza no mundo. O estranho sou eu e você. Quando nos armamos das indumentárias do ser pretensabido para nominar coisas e seres. Seres e coisas que há milênios são e estão porque somente são e estão. É preciso que nos dispamos desses andrajos da certeza, da verdade e da racionalização. Para, só então aí, talvez vermos que a iluminação do homem pode estar no vôo de uma borboleta ou de um cavalo do cão.
E o poeta, de barro, de pedra, lodo e limo, o Manoel, inseticidamente genial – e que há pouco borboleteou-se – sabia há muito do segredo do conto do sábio chinês. É nas pequenices que o grande adormece e espera. Pois, uma hora, uma vida, um século, não importa. Porque o tempo nunca se dividiu, nós é que o fizemos para suportá-lo. Só há mesmo o presente, essa terra desolada da qual somos velhos estrangeiros. Passado e futuro são mitos, utopias, quimeras nas quais depositamos nossas cabeças e nossas gaiolas de peles e ossos diariamente por não suportarmos a beleza do mundo.
Nossos tiques, manias e cestos (só o pessoal de uma região desse continente brasilis vai entender esta última palavra) são a única riqueza original em cada um de nós. É o cantor ao violão no barzinho que ajeita os óculos no microfone. Aquele cara que ao conversar com você, a cada três ou quatro palavras solta um estranho grunhido ou pigarro. Ou aquele outro que, de minuto em minuto, desanda a piscar os olhos sem parar.
O resto é um jogo de espelhos, filas indianas, vida de gado e de homens prontos para o abate. Praga de zumbis que não sabe quem são, de onde vieram e nem para onde vão, mas que erma, há eras, encardida dessas perguntinhas parasitárias e teimosas, mas de transatlântica dimensão.
Estamos sempre cheios de ausências, são elas que nos preenchem. A gente se fortalece é do que não teve. A busca de títulos, diplomas, honrarias, é tudo carência ou senso de pertencimento. E o que nos resta é tentar separar o miojo do umbigo.
A gente há de enfrentar o umbigo do mundo. E o umbigo do mundo gesta há milênios, na traseira de um vagalume. Ora clareia, ora escurece, e nós, bestializados pela máquina de fabricar insanos, vamos nos enfileirando, ano após ano. Sempre a buscar o louro ou essa quimerazinha de ser feliz dia sim, dia não, salvo engano.
Somos essa vastidão, esses ermos, essas gerais em que a percepção e o entendimento nunca quiseram campear. Hospedeiros da utopia de um amanhã redentor que teima em chegar. E tudo porque, vaidosos e egoístas, nossa asa não emprestamos e nem a do outro aceitamos. Triste, para um ser que também foi feito pra voar.
Assim, resta-nos apenas nos arrastarmos e, inevitavelmente, nos atropelarmos. E dessa coisa que tornamos cega e amorfa, e que outro poeta batizou de brincadeira e jogo, nos acostumamos a chamar de vida.