1 de maio de 2015
Janeiro 2012.
- Nestes dias, falou-se muito do goleiro Marcos que resolveu aposentar-se, depois de muitos anos, no time do Palmeiras. Ele que resume, na sua figura e postura, a mística do Verdão, não teve coragem de anunciar sua saída porque a decisão, de ficar ou sair, lhe era igualmente dura. Para permanecer teria que suportar as dores, contidas por medicamentos, e conviver com a diferença entre a vontade que comanda e o corpo que já não obedece, na mesma presteza. Já para sair, significa o início da invisibilidade de quem sai do foco, o fim do prazer de jogar, o vazio da convivência com os colegas, o carinho dos fás, o rebaixamento salarial e o desafio de pensar no que fazer, a seguir.
- Em todos os campos, é sempre difícil entender e admitir a hora exata de sair. Não pode ser antes, para não parecer abandono, arrefecimento da paixão…; não pode ser depois porque, então, a contribuição já seria dispensável, ou até um obstáculo. Os bons conselhos dizem que se deve sair “em alta”, em momento produtivo. E que todo o segredo reside no equilíbrio entre pressa e lentidão, percepções aparentemente contraditórias. Em toda decisão há sempre algo como um “salto no escuro”. A convicção da causa e o senso de responsabilidade podem ser a bússola para discernir, ou vislumbrar, a hora de sair de cena e permitir que “outros cresçam”, no interesse da equipe, do grupo, do povo.
- No permanente jogo pela dignidade humana, a militância não tem hora de “pendurar a chuteira”. Porque essa paixão é uma entrega, até ao extremo, para a construção de uma nova ordem social. Se não se pode mudar de luta, se pode e se deve, mudar de esquina, de ritmo. Quando uma árvore cresce muito e se enraíza, ainda que não pretenda, impede que novas floresçam, à sua volta. Além disso, o tempo traz a tentação da perpetuação das formas de ver e de atuar, até como maneira de dissimular a insegurança, a caduquice e a natural “fadiga de material”. Sem falar na fantasia, nada humilde, das experiências absolutizadas ou das pessoas “insubstituíveis” que ao continuar, atrasam.
- É verdade que sendo cada pessoa um ser único, ela é, de certa forma, insubstituível. Outra pessoa igual a ela não existe, pois, ninguém substitui ninguém. A chegada do novo não é para substituir os precedentes da antiga ordem. O novo vem para dar continuidade a uma causa pertinente, em outro momento histórico. Porque, é preciso admitir que, diante dos novos desafios, nem sempre a idade nos faz sábios. Os tempos mudam e os humanos mudam com eles. Assim, a velha guarda não pode agarrar-se a segurança do já feito, mas racional e pedagogicamente, vencer a desconfiança na capacidade da nova geração e apostar na sua criatividade de propor novas formas de encarar o presente.
- A tarefa educativa exige encantamento, vigor renovado e respostas adequadas a cada novo tempo. Por isso, uma saída responsável será um ato de reconhecimento de que “a fila anda” e a profissão de fé na nova geração que, a seu modo, terá capacidade, criatividade e dedicação para seguir nessa batalha pelo resgate da vida fraterna, sempre. Será, simultaneamente, um ato de coragem largar um reconhecimento construído, muitos afetos, a profissão, a sustentação… Seria, talvez, a suprema atitude, humilde e pedagógica, de alguém que tendo colocado seu grão de areia, agora, sem espalhafato, cede lugar ao novo e vai recomeçar, em outro posto de luta.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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