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Em todas as culturas e nas mais diversas religiões, as pessoas sentem uma profunda e misteriosa atração pelas novidades. Tudo o que é novo suscita admiração e desperta interesse. Isso revela uma vocação para se renovar permanentemente e é característica do ser humano.

Na natureza, há animais capazes de pressentir se vai chover ou estiar. Ao despontar da madrugada, o galo canta. Ao mudar das horas, o jumento relincha. No entanto, somente o ser humano é capaz de contar o tempo. Só a humanidade faz história e, assim, faz do futuro (aquilo que há de vir) possibilidade do novo. Há pessoas que pensam: “o tempo resolve”. Infelizmente, isso não é verdade. A passagem do tempo não acarreta por si mesma e mecanicamente uma evolução para melhor. A mera mudança de tempo traz envelhecimento e não novidade ou solução. O que faz o tempo ser fecundo de algo novo é o amor. Santo Agostinho dizia que a história é grávida de Cristo porque Deus nos envia a espalhar no mundo sementes de solidariedade. Celebrar o ano novo tem este significado: colher as sementes de bondade espalhadas na terra durante o ano passado e garantir que sejam semeados novos brotos de paz e justiça.

Desde os tempos antigos, muitas comunidades costumam festejar a mudança de ano com um banho regenerador que simboliza renovação interior. Por isso, até hoje, multidões se aglomeram nas praias para saudar o novo ano. Em outras culturas, as pessoas vestem roupas novas para simbolizar que assumem posturas novas de vida. Há também regiões do mundo nas quais o ano novo é celebrado com refeições cultuais. Existem alimentos específicos do ano novo, como, por exemplo, em alguns países da Europa, saborear ostras. Estas vêm fechadas e se abrem, assim como o mistério do tempo que, na noite do 1º de janeiro, pode iniciar uma época nova para quem a acolhe.

Todos estes costumes e ritos são válidos, desde que não vivamos o ano novo apenas como um dia que o calendário traz e, assim como chega, em breve, terá passado. As Igrejas cristãs costumam falar em “ano da graça de 2011”. É um modo de dizer que o importante do tempo não é a contagem quantitativa, mas a sua densidade. A regra beneditina ensina aos monges que o tempo nos é dado como “um prazo a mais para a nossa conversão”. Paulo escreveu à comunidade cristã de Roma que “a escuridão da noite quase passou e o dia está chegando. Devemos, então, ser como pessoas que despertam na madrugada e organizam suas vidas não como quem vive na escuridão da noite e sim à luz do dia (Rm 13, 13).

Viver à luz do sol é um modo de dizer que temos de ser lúcidos (o próprio termo lucidez vem de luz), aprimorar o espírito crítico e refinar a consciência para saborear a vida como algo sempre novo e que nos leva à comunhão com os outros e com a natureza.

Neste primeiro dia do ano, o Brasil assistirá a posse da nova presidente da Republica e dos governos estaduais, renovados ou reeleitos. Dificilmente o poder reforma profundamente a si próprio. Sem dúvida, as transformações sociais e políticas mais substanciais virão não dos governos e sim da sociedade civil e dos movimentos do povo organizado. Uma das promessas de campanha da presidência eleita é valorizaras organizações da sociedade civil e aprimorar as regras para a participação de todos na política. Justamente, o que nos faz esperar um bom governo é este respeito e mesmo apreço pela sociedade civil. Graças a Deus, nunca mais voltaremos aos governos que criminalizavam os movimentos populares, como, aconteceu na época da ditadura militar e mesmo nos primeiros governos civis que vieram depois. Ao desejar ao povo brasileiro um ano novo cheio de graças, peço a Deus que ilumine nossos governantes a fortalecerem o diálogo entre Estado e nação. Que a nossa presidente e nossos governadores sempre se ponham como representantes e defensores, principalmente, das parcelas mais frágeis e sem voz da nossa população, abertos à novidade que nos atrai para mais vida. A todos, feliz ano novo.

* MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 37 livros publicados, entre os quais “O Amor fecunda o Universo (Ecologia e Espiritualidade) com co-autoria de Frei Betto. Ed Agir, 2009.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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